Argentina aposta no apoio político da Europa para conseguir renegociar sua dívida
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A Argentina entrou na contagem regressiva para renegociar um acordo financeiro que evite uma moratória da dívida pública. Para convencer os credores, é importante o aval do Fundo Monetário Internacional (FMI). Esse é o objetivo da viagem que o presidente argentino, Alberto Fernández, realiza pela Europa. Ele quer o apoio de França, Alemanha e Itália, alguns dos países com mais peso na diretoria do FMI.
Correspondente da RFI em Buenos Aires
O lobby político de Alberto Fernández começa na sexta-feira (31) com um aliado no Vaticano. O papa Francisco promete ajudar para realizar um milagre financeiro, mas também vai colocar sobre a mesa um assunto delicado: a legalização do aborto na Argentina.
Assim como o governo argentino quer o apoio do Papa para a questão da dívida, o sumo pontífice quer que Buenos Aires desista da ideia de despenalizar o aborto com uma lei que será enviada ao Congresso neste ano.
Com a reunião entre os dois chefes de Estado argentinos, a viagem de Fernández ganha a dimensão para o seu maior objetivo: obter apoio político internacional para conseguir que o FMI reestruture a dívida argentina.
"O apoio da Europa será crucial para o processo de renegociação da dívida. Sem um apoio externo para financiamento, Alberto Fernández não vai poder resolver os problema econômicos da Argentina. E, para isso, é preciso um vínculo pessoal entre o presidente Fernández e os seus colegas europeus", explica o cientista político argentino, Sergio Berensztein.
Vaticano e a economia mundial
O começo pelo Vaticano não é só porque o Papa pode ser um bom embaixador para o interesse argentino. No próximo dia 5 de fevereiro, também no Vaticano, será realizado um seminário sobre a questão da dívida dos países emergentes com alguns dos maiores pesos pesados da economia mundial. A tal ponto que a própria diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, poderá ter a primeira reunião bilateral com o ministro da Economia da Argentina, Martín Guzmán.
O seminário "Dignidade e Futuro do Trabalho na era da Quarta Revolução Industrial" vai reunir ainda o prêmio Nobel, Joseph Stiglitz, mentor do ministro argentino, o economista Jeffrey Sachs e os ministros da Economia de França, Itália e Espanha, pelo lado europeu, e os de México, Paraguai, Equador e El Salvador, pelo lado latino-americano.
Entre outros assuntos serão abordadas questões como a desigualdade social como fator de instabilidade política na América Latina e o peso da dívida externa na agenda social dos países emergentes. O seminário parece à medida para a Argentina.
Périplo financeiro pela Europa
Após o encontro com o Papa, Alberto Fernández terá reuniões com líderes europeus de quatro países. Ainda na sexta-feira, com o primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, e, depois, com o presidente italiano, Sergio Mattarella.
No domingo (2), o presidente argentino vai à Alemanha para um encontro, no dia seguinte, com Angela Merkel. Na próxima terça-feira (4), estará na Espanha com o presidente Pedro Sánchez. Na quarta-feira (5), será a vez da França com o presidente Emmanuel Macron.
Juntos, esses países detém quase 15% dos votos no Fundo Monetário Internacional, além da influência política sobre outros membros do FMI.
À espera de um plano
Nesta semana, o ministro da Economia da Argentina, Martín Guzmán, teve os primeiros encontros, cara a cara, com os credores privados, com técnicos do FMI e com membros do Tesouro dos Estados Unidos. Guzmán está desde segunda-feira (27) em Nova York, de onde viaja diretamente à Europa para se juntar ao presidente Alberto Fernández nas conversas com os líderes europeus.
A Argentina precisa reestruturar a sua dívida com os credores privados, mas, para isso, precisa de um acordo também com o FMI, que funciona como aval para a credibilidade do país. As duas negociações vão acontecer em paralelo.
A questão é que tanto os credores privados quanto o FMI estão à espera de algo básico: um plano econômico integral que indique qual será a trilha da economia argentina até 2023 e quais serão as ferramentas para o país voltar a crescer. Por enquanto, o governo argentino não apresentou um plano e muitos desconfiam que não exista.
"O mercado quer saber como a Argentina vai pagar o que deve. O nome disso é um plano econômico 2020-2023. O governo ainda não disse como vai pagar. Existe um plano ou o que existe é improviso?", questiona o analista Sergio Berensztein.
O governo argentino estabeleceu o dia 31 de março como o limite ideal para um acordo, mas esse prazo parece muito otimista. Os economistas indicam que o país teria dinheiro até o final de abril ou começo de maio. E esse parece ser o limite para a Argentina conseguir os dois acordos e não cair numa nova moratória da dívida.
O país pretende uma renegociação que permita de dois a três anos "de graça" para voltar a pagar uma dívida com juros menores e com mais prazo, mas sem afetar o capital. Os economistas, no entanto, acreditam que, para uma dívida sustentável, deverá haver uma redução dos juros, mas também do capital.
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