Lombardia e Vêneto votam por autonomia fiscal na Itália
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A Itália vive um clima de expectativa sobre os referendos da Lombardia e do Vêneto, mas não teme que o pleito deste domingo (22) possa abrir as portas para movimentos separatistas.
Gina Marques, correspondente da RFI em Roma
Quase 12 milhões de eleitores lombardos e vênetos foram chamados a votar neste domingo (22) sobre a autonomia fiscal das respectivas regiões. Embora a pergunta em comum seja sobre conquistar mais independência na gestão dos impostos, os dois referendos são diferentes.
Na Lombardia, não é preciso um quórum para que a votação seja válida, enquanto no Vêneto é necessária a maioria de 50% mais um dos eleitores. A afluência dos vênetos até as 19h, horário local (15 horas em Brasília) registrou 51,9%, superou o quórum, e portanto, validou o referendo.
Diferenças aconteceram também no sistema de voto: pela primeira vez a Lombardia experimenta a urna eletrônica feita com tablets em cada cabine. Já os vênetos votam com a clássica cédula eleitoral de papel depositada na urna.
As regiões mais ricas da Itália, governadas pela extrema-direita
A Lombardia e o Vêneto estão entre as regiões mais ricas da Itália. Ambas são governadas pela Liga Norte, partido de extrema-direita. Os governadores, Roberto Maroni, da Lombardia, e Luca Zaia, do Vêneto, há anos tentam fazer com que uma parcela maior dos impostos pagos pelos seus habitantes seja revertida para questões locais.
Embora o pedido do referendo tenha sido feito principalmente pela Liga Norte, atualmente o pleito conta com o apoio de vários prefeitos de partidos de centro-esquerda que reivindicam mais emancipação na administração dos impostos municipais.
Se vencer o sim
A eventual vitória do “sim” fortaleceria politicamente os dois governadores de extrema-direita em um momento delicado para a Europa com o crescimento de movimentos anti-migratórios.
No entanto, a autonomia não seria imediata e passaria por um longo processo até ser atuada. A Lombardia e o Vêneto teriam um mandato para pedir ao governo nacional o início das negociações para obter maior emancipação fiscal em 20 setores diferentes, como financiamento público, trabalho, energia, infraestrutura, educação, entre outras. Após o entendimento entre o Estado e as regiões, deverá ser aprovada uma lei pela maioria absoluta seja na Câmara dos Deputados e no Senado.
Cinco regiões autônomas da Itália
Na Itália, a autonomia regional já existe em alguns territórios. Das vinte regiões italianas, cinco possuem o chamado “estatuto especial ”, aprovado pelo Parlamento, com direito constitucional. Trata-se das duas ilhas de Sardenha e Sicília, do Trentino-Alto Ádige, da Vale de Aosta e em Friuli-Veneza Júlia.
A necessidade de conceder formas especiais de autonomia a certos territórios surgiu imediatamente após o final da Segunda Guerra Mundial, porque prevaleciam preocupações políticas. Todas estas regiões especiais foram criadas em 1948, exceto Friuli-Veneza Júlia, autônoma desde 1963 para contrastar o “perigo” da cortina de ferro na fronteira com a Eslovênia (ex-Iugoslávia).
Para se conceder a autonomia foram avaliados vários critérios. No Trentino- Alto Ádige, sempre predominou uma forte minoria de língua alemã. No Vale de Aosta, ainda se fala, além do italiano, um dialeto francês. A Sicília e a Sardenha depois da guerra reivindicam a emancipação para sair da miséria secular.
A situação econômica das regiões autônomas
As regiões com estatuto autônomo têm o privilégio fiscal de reter quase todos os impostos pagos pelos cidadãos em seu território. Os privilégios são desiguais entre as cinco: a Sicília retém o total de impostos, Vale de Aosta e Trentino-Alto Ádige nove décimos, a Sardenha os sete décimos, Friuli-Veneza Júlia , seis décimos. A diferença de valores é impressionante, segundo informa o especialista econômico Flaminio de Castelmur no blog SpazioEconomia.
Somente para a Sicília, o imposto de renda (Irpef) vale mais de € 5 bilhões (cerca de R$ 20 bilhões), enquanto que para a Sardenha é de € 2,8 bilhões. Mas o valor total da receita das regiões autônomas é maior: € 42 bilhões de , contra € 125 bilhões das 15 regiões comuns juntas.
As entradas per capita, isto é, o dinheiro dos contribuintes que termina nos bolsos dos habitantes das regiões autônomas, também varia de acordo com o número de habitantes: vai de € 10,5 mil para o Vale de Aosta para € 3,7 mil na Sicília. Quantia inalcançável para regiões comuns (também chamadas Regiões Ordinárias), onde a entrada per capita regional é uma média de € 2,5 mil euros.
No entanto, nenhuma das cinco regiões com emancipação fiscal tem um balanço positivo. Todas estão em vermelho, mas com diferenças substanciais. O déficit do Vale de Aosta é de € 617 milhões, a Sicília tem quase € 22 bilhões, a Sardenha € 7 bilhões e as outras duas regiões registram € 2 bilhões. O sociólogo Luca Ricolfi ressaltou que as regiões autônomas do norte gastam muito com educação, justiça e outros serviços públicos mas obtém resultados eficientes. Em compensação, o nível de gastos na Sicília e na Sardenha é acompanhado por um mau uso dos recursos financeiros. Nessas duas regiões, a taxa de desperdício é superior a 50%. Assim, os serviços públicos custam muito e rendem pouco, menos da metade do que deveriam.
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