Cartazes de Maio de 68 ilustram convergência da arte com as lutas sociais
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Maio de 68 na França foi um momento marcante de convergência da arte com as lutas políticas da extrema-esquerda da época. Essa união, vista em outras fases da história francesa, foi particularmente criativa em 1968, produzindo cartazes irreverentes que instigavam a reflexão e entraram para a memória coletiva dos franceses.
Os muros das universidades em Paris e Nanterre foram tomados por mensagens combativas, com críticas ao autoritarismo do general Charles de Gaulle (presidente de 1959-1969), ao Partido Comunista e à situação de injustiça social vivida pelos operários nas fábricas. A França atravessava um momento de grande prosperidade econômica, mas os patrões da indústria e o governo De Gaulle eram insensíveis a uma melhor distribuição da renda e aos direitos dos trabalhadores. As greves de maio tiveram a adesão de ao menos 7 milhões de trabalhadores e paralisaram o país.
Os estudantes, de seu lado, ocuparam as universidades numa luta por autonomia, por liberdade de expressão e comportamento, defendendo entre outras causas a liberação sexual. Animados por uma ideologia de extrema-esquerda, os jovens franceses se engajaram para derrubar os valores e sistemas vigentes.
Havia um contexto internacional que alimentava o combate político: a pesada herança do colonialismo francês, derrotado na Guerra da Argélia (1954-1962), e o imperialismo americano, em ação na Guerra do Vietnã (1955-1975). O imaginário esquerdista fervilhava com experiências radicais, como a Revolução Cubana (1959) e a Revolução Cultural Chinesa (1966).
Artistas plásticos impulsionam revolução
Nesse contexto revolucionário, as lutas dos estudantes e dos trabalhadores franceses se entrelaçaram, ganhando uma contribuição determinante: o engajamento de estudantes e professores da Escola de Belas Artes de Paris.
A instituição entrou em greve no dia 8 de maio de 1968. Em poucos dias, a ocupação atraiu a adesão de artistas e arquitetos. No local, os manifestantes fundaram, no dia 14 de maio, o Ateliê Popular, uma oficina onde foram produzidos ao menos 300 cartazes emblemáticos do movimento de Maio de 68.
A exposição "Imagens em Luta: a cultura visual da extrema-esquerda na França (1968-1974)", em cartaz até o próximo dia 20 de maio na Escola de Belas Artes de Paris, reúne o acervo de cartazes concebidos nesse período, além de panfletos, pinturas, esculturas, filmes, fotografias, exemplares de revistas e jornais da época.
Éric de Chassey, diretor-geral do Instituto Nacional de História da Arte (INHA) e um dos curadores da mostra, conta que a Escola da Belas Artes "permaneceu durante muito tempo como um núcleo para as relações entre a arte e a política, pelo menos até 1974, quando a polícia invadiu novamente o local para expulsar pessoas que organizavam manifestações militantes, como do Movimento de Liberação das Mulheres (MLF) e da Frente Homossexual de Ação Revolucionária (FHAR), nascido de uma associação de lésbicas feministas e ativistas gays". O FHAR mantinha uma reunião semanal na Belas Artes, com menos imagens produzidas, "mas mostramos na exposição que havia um real engajamento político", explica o curador.
A exposição documenta a efervescência que tomou conta da França em 1968. "Pairava no ar uma ideia de que a revolução estava chegando e que a sociedade ia mudar", enfatiza Éric de Chassey. Os cartazes, produzidos anonimamente pelos artistas, expressavam esse desejo de mudança. "Espero que ver essas imagens produza um efeito de liberação nas pessoas e que elas possam se inspirar e fazer aquilo que têm vontade", destaca o curador.
O compromisso da Escola de Belas Artes de Paris com movimentos militantes dura até hoje. É no anfiteatro da Belas Artes que acontecem as reuniões semanais do grupo ativista Act Up, que no início dos anos 90 lançou uma intensa mobilização para que a sociedade francesa reconhecesse a importância da prevenção e do tratamento da Aids, como se vê no filme "120 Batimentos por Minuto", de Robin Campillo.
Confira alguns slogans de Maio de 68:
"Conquistar tudo, agora."
"Faça amor e recomece."
"Em todos os lugares onde a revolução triunfou, houve violência."
"Nós somos todos judeus alemães."
"A ação não deve ser uma reação, mas uma criação."
"A poesia está na rua."
"Viva a democracia direta."
"A política se dá na rua."
"Tomem seus desejos por realidades."
"É proibido proibir."
"Eu tinha alguma coisa para dizer, mas não sei mais o quê."
"A imaginação toma o poder."
"O estado é cada um de nós."
"A insolência é a nova arma revolucionária."
"Corram, camaradas, o velho mundo está atrás de vocês."
"As armas da crítica passam pela crítica das armas."
"Abaixo o realismo socialista. Viva o surrealismo."
"O álcool mata. Tomem LSD."
"A barricada fecha a rua, mas abre a via."
"Abaixo a sociedade de consumo."
"Não mudem de empregadores. Mudem o emprego da vida."
"Trabalhador: você tem 25 anos, mas seu sindicato é de outro século."
"Abolição da sociedade de classes."
"A felicidade é uma ideia nova."
"Milionários de todos pos países, unam-se, o vento está mudando."
"Abraça o teu amor sem largar a tua arma."
"A economia está ferida, pois que morra!"
"10 horas de prazer já."
"Ainda não acabou!"
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