China diz que não quer mais confronto com a Índia, mas rivalidade entre as duas potências é profunda
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A China "não deseja" mais confrontos com a Índia, disse nesta quarta-feira (17) o porta-voz do ministério das Relações Exteriores, depois do grave incidente entre militares chineses e indianos ocorrido na segunda-feira (15) na fronteira do Himalaia. Vinte soldados indianos morreram, enquanto a China se recusa a confirmar baixas entre suas forças, no primeiro embate com vítimas fatais entre os dois gigantes asiáticos nos últimos 45 anos.
Os dois países trocaram acusações pelo incidente. "No que diz respeito à China, não queremos ver mais confrontos com a Índia", declarou Zhao Lijian, antes de pedir aos indianos que "evitem os gestos de provocação" que possam agravar a situação.
O porta-voz da diplomacia chinesa insistiu que as tropas indianas atravessaram ilegalmente a fronteira e atacaram o lado chinês. "Isto levou a um confronto físico grave entre os dois lados, com mortos e feridos", declarou Zhao, sem entrar em detalhes sobre as vítimas.
Um militar indiano na região afirmou à AFP que não aconteceu uma troca de tiros. "Nenhuma arma de fogo foi utilizada. Aconteceram combates corpo a corpo violentos", disse a fonte na terça-feira (16).
De acordo com o porta-voz chinês, Pequim pediu a Nova Délhi para "conter rigorosamente as tropas da linha de frente, que não atravessem ilegalmente a fronteira e não adotem ações unilaterais que compliquem a situação na área". Ao mesmo tempo, Zhao afirmou que os dois lados "seguirão resolvendo este assunto por meio do diálogo e das negociações". "Obviamente, não desejamos mais confrontos", concluiu.
A rivalidade entre os dois países é antiga e tem raízes profundas, observa o especialista em Ásia do Sul Gilles Boquérat, pesquisador na Fundação para a Pesquisa Estratégica (FRS). "A China nunca reconheceu.as fronteiras da Índia, desde o fim da ocupação colonial britânica", recorda Boquérat.
Em entrevista à RFI, ele disse que a disputa travada por China e Índia nessa região do Himalaia, a 4.000 metros de altitude, vem desde os anos 1950. Na época, a China construiu uma estrada de ligação entre o território chinês e o Tibete, que atravessou a região fronteiriça, surpreendendo os indianos. Recentemente, foi a Índia que construiu uma estrada aproveitando-se da falta de delimitação clara na área.
Por outro lado, a amizade entre a China e o Paquistão, fortalecida recentemente pelo corredor econômico acertado entre Pequim e Islamabad, no faraônico projeto da Nova Rota da Seda, irrita a opinião pública indiana. A China, por sua vez, não perdoa o governo indiano por acolher em seu território o Dalai Lama, líder espiritual do Tibete e prêmio Nobel da Paz em 1989. Expulso pelas tropas chinesas de seu teritório, o Dalai Lama vive há 60 anos refugiado e sob a proteção do governo indiano em Dharamsala, no norte da Índia.
Atritos recomeçaram em maio
As tropas das duas potências nucleares se envolveram desde o início de maio em vários confrontos ao longo da fronteira comum, principalmente em Ladakh, e milhares de soldados foram enviados à região para reforçar a presença dos dois lados. Uma crise que as duas partes afirmam, no entanto, quererem "resolver pacificamente", pela via diplomática. Após as negociações entre generais dos dois Exércitos há dez dias, um processo de desmilitarização teve início em alguns pontos disputados na altitude de Ladakh.
O porta-voz do ministério das Relações Exteriores da China disse que as tropas indianas atravessaram a fronteira, "provocaram e atacaram os chineses, o que gerou um grave confronto". Altos funcionários dos dois países negociam atualmente na região para acalmar a situação, de acordo com um comunicado do exército indiano.
Em Nova York, uma porta-voz da ONU expressou a preocupação da organização. "Pedimos aos dois lados que mantenham a máxima moderação", disse Eri Kaneko à mídia.
Por outro lado, os Estados Unidos acreditam que o diferendo poderá ser resolvido de forma pacífica. "Tanto a Índia quanto a China expressaram seu desejo de uma desescalada e apoiamos uma solução pacífica para a situação atual", declarou um porta-voz do Departamento de Estado americano na terça-feira (16). Os Estados Unidos "acompanham de perto" a situação, assinalou o porta-voz, que enviou condolências às famílias dos soldados indianos mortos. A Índia é um aliado emergente dos Estados Unidos, cuja relação com a China é tensa em várias frentes.
China busca mudança no equilíbrio regional
No início de maio, combates com socos, pedras e pedaços de pau envolveram militares dos dois países na região de Sikkim (leste da Índia). Os confrontos deixaram vários feridos. As tropas chinesas também avançaram em zonas que a Índia considera dentro de seu território em Ladakh, o que levou Nova Délhi a enviar reforços à região.
As tensões entre os dois países aumentaram nas últimas semanas ao longo da fronteira comum de 3.500 quilômetros, que nunca foi devidamente delimitada. As duas potências regionais já tiveram várias disputas territoriais nas zonas de Ladakh e Arunachal Pradesh.
China e Índia se enfrentaram em uma guerra relâmpago em 1962. Os confrontos em zonas montanhosas entre os exércitos indiano e chinês se tornaram mais frequentes nos últimos anos. Em 2017 aconteceram 72 dias de confrontos, depois que forças chinesas avançaram na área disputada de Doklam, na fronteira entre China, Índia e Butão.
Após estes confrontos, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o presidente chinês, Xi Jinping, tentaram reduzir a tensão em várias cúpulas. No mês passado, Alice Wells, principal funcionária do Departamento de Estado americano para o sul da Ásia, afirmou que a China estava tentando mudar o "balanço [equilíbrio] regional" e era necessário "resistir".
Com informações da AFP e da reportagem da RFI
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