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Brasileira ajuda a promover a tradição do linho no norte de Portugal

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Quando trocou Curitiba por Lisboa, há quase seis anos, a mineira Luciana Castelli já tinha uma carreira consolidada na gestão de negócios, mas não imaginava que a experiência a ajudaria a promover a tradição do linho de uma extinta aldeia portuguesa.

Luciana Castelli na página da loja virtual da Lindo Linho.
Luciana Castelli na página da loja virtual da Lindo Linho. © Divulgação
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Fábia Belém, correspondente da RFI em Portugal

Luciana Castelli conheceu a história de Vilarinho da Furna durante as aulas do mestrado em Sociologia e Economia do Trabalho que fazia em Portugal. Situada no município de Terras de Bouro, no norte do país, a pequena localidade foi submersa em 1971 para a criação de uma barragem, que herdou seu nome.

extinta aldeia tinha uma forte tradição do linho. “Em Vilarinho da Furna, cada casa tinha um tear. [Os moradores] plantavam o linho, colhiam o linho, malhavam, faziam o fio, teciam no tear e faziam as suas camisas, suas calças, seus lençóis, suas toalhas, tudo à mão”, conta Castelli.

Nas localidades próximas para onde foram viver muitos dos moradores do vilarejo submerso, o trabalho com o linho chegou a ser uma atividade econômica que envolveu cerca de 50 mulheres até o ano 2000. Mas em 2019, quando chegou à região, Luciana encontrou somente uma pessoa envolvida na atividade, uma tradição que foi se perdendo ao longo dos anos. De seis campos plantados de linho que existiam no passado, “quando eu cheguei aqui não tinha mais nenhum”, lembra.

Projeto de requalificação do linho

O assunto despertou tanto interesse, que acabou sendo tema da pesquisa do mestrado de Luciana Castelli, e não só: ela montou um projeto para requalificar o linho artesanal.

A requalificação vem com uma cara de inovação, de você procurar fazer daquela atividade um produto diferente, mais moderno, com mais valor agregado e que possa voltar para o mercado com uma cara nova”, explica.

A brasileira se juntou à AFURNA, como é conhecida a Associação dos Antigos Habitantes da extinta aldeia. A instituição é presidida por Manuel Azevedo Antunes, que foi professor de Luciana e é um dos maiores guardiões da memória de Vilarinho da Furna.

O professor Manuel de Azevedo Antunes é presidente da AFURNA, Associação dos Antigos Habitantes de Vilarinho da Furna.
O professor Manuel de Azevedo Antunes é presidente da AFURNA, Associação dos Antigos Habitantes de Vilarinho da Furna. © Divulgação

“O objetivo principal é recuperar toda uma tradição que nós tínhamos da cultura do linho ali nas nossas terras”, salienta Azevedo Antunes.

Foi a associação que apresentou a iniciativa de Luciana num concurso promovido pela ADP, empresa do setor energético, que também atua em Portugal. Dos 86 projetos inscritos, “dez foram selecionados e o nosso foi um deles”, recorda a mineira de São Lourenço.

Com o dinheiro que a associação ganhou no concurso, Luciana geriu o projeto que, durante dois anos, ofereceu formações dedicadas a todo o ciclo do linho, desde a semeadura até a produção dos tecidos. A portuguesa Aldina Silva foi uma das 20 pessoas beneficiadas. Dona de uma pequena loja de artesanato, ela já fez muitos cursos de bordados, mas sempre quis aprender tecelagem.

Eu comprei um tear, mas nunca consegui arranjar quem me ensinasse. A Luciana deu-me essa oportunidade e eu fiquei muito contente. Aprendi a tecer o linho e foi ótimo. Foi uma aprendizagem ótima. Gostei muito”, garante a portuguesa.

Além de aprender novos ofícios, Aldina conta que também participou da formação para manter a tradição dos seus antepassados. Filha de lavradores, ela recorda que a mãe semeava e produzia o seu próprio linho. Os lençóis da família eram feitos num tear “enorme”.

“Lá em casa, as noites eram longas e, então, o que fazia passar o tempo era eles estarem ali a tecer, a fazer os novelos [de linho]”, lembra.

Lindo Linho

Para colocar no mercado as peças feitas com o linho artesanal produzido pelas participantes do projeto, Luciana Castelli criou, em 2021, a “Lindo Linho”. Promovida pela Associação dos Antigos Habitantes de Vilarinho da Furna, a marca conta com uma loja online. “Nessa criação de produtos, a gente foi experimentando tudo o que o linho dava para fazer. Então, nós criamos porta-guardanapos, guardanapos, caminhos de mesa”, e muitos outros produtos: brincos, calçados, chapéus e peças de vestuário também estão à venda no site da loja.

Luciana Castelli diz que o potencial da fibra também chamou a sua atenção pela sustentabilidade, pois “do linho, você não perde nada, é um produto que é quase 100% aproveitável”.

Modelo com brincos e peças de vestuário feitos com linho artesanal, sapatos feitos com linho artesanal e roupas para bebê
Modelo com brincos e peças de vestuário feitos com linho artesanal, sapatos feitos com linho artesanal e roupas para bebê © Divulgação

Para promover ainda mais o negócio e a tradição de Vilarinho da Furna, ano passado a “Lindo Linho” firmou uma parceria com a Escola de Moda do Porto. Segundo Luciana, 30 estudantes da instituição criaram e desenvolveram uma coleção da marca. “A prova final deles foi o nosso trabalho”, relata.

A “Lindo Linho” tem recebido muito apoio da comunidade, da empresa que financiou o projeto de requalificação do linho e da Câmara Municipal de Terras de Bouro, que tem funções parecidas com as das prefeituras brasileiras. Ao comentar a importância do envolvimento de tantos parceiros, Luciana Castelli frisa que não é possível promover desenvolvimento regional sozinho. “É um tripé. Ele é feito pela iniciativa privada, o poder público e a comunidade. Sem isso, a gente não faz desenvolvimento”.

Quanto à participação da comunidade, Castelli conta que quando a loja recebe uma encomenda maior, pode sempre recorrer às pessoas que trabalham em suas casas. “Muitas têm o seu tear e fazem lá os produtos delas também”, aponta. O intuito do projeto, explica, “é começar a envolver a comunidade, promover a atividade e dar trabalho às mulheres, não importa onde elas estejam. Podem estar aqui, podem estar na aldeia vizinha”.

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