Atriz brasileira Melissa Vettore faz turnê na Itália com monólogo 'Prima Facie'
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Ela tem mais de 30 anos de experiência como artista, atuando na televisão, cinema e principalmente no teatro. Sua bagagem inclui a interpretação de diversas personagens femininas em palcos de vários países, enfrentando sempre desafios e recitando em cinco línguas diferentes. Agora a atriz brasileira Melissa Vettore encara mais uma empreitada: estrelar na versão italiana do monólogo “Prima Facie”. A tournée na Itália estreou 1° de outubro no teatro Sala Umberto, em Roma, e prevê até março de 2026 pelo menos 20 apresentações em diversas cidades do país.

Gina Marques, correspondente da RFI em Roma
Escrita pela australiana Suzie Miller, a peça já foi traduzida em 20 idiomas e apresentada em 38 países, inclusive no Brasil, interpretada por Débora Falabella, sob a direção de Yara de Novaes. Na Itália, o diretor suíço Daniele Finzi Pasca e Melissa Vettore compraram os direitos da peça.
O enredo conta a história de Tessa Ensler, uma advogada penalista que frequentemente tem entre seus clientes homens acusados de agressão sexual. Ela passa a confrontar o sistema jurídico quando se torna vítima de um estupro.
“Eu ouvi falar deste espetáculo através de um amigo, Mateus Monteiro, um advogado e ator que mora em Londres. Ele me disse: “Olha, é a peça do momento”. Depois eu soube que estavam fazendo no Brasil em português, com um sucesso extraordinário, além do México e em quase 40 países. Eu quis fazer parte desse grupo de mulheres. Nossa companhia é internacional. Os direitos ainda não tinham sido vendidos para o idioma italiano. Por sorte, pois assim foi possível interpretar a peça na versão italiana.” conta Melissa à RFI.
“Não é Não”
Prima Facie é uma expressão latina que significa a primeira vista. No contexto jurídico se refere a um evento considerado verdadeiro com base na primeira impressão. A peça aborda com intensidade e sensibilidade questões urgentes: violência de gênero, consentimento e a linguagem do poder, destacando a lacuna que frequentemente separa a justiça formal da justiça real. Em vez de focar na violência explícita, a narrativa se concentra no consentimento negado, mal compreendido ou manipulado, oferecendo uma perspectiva crítica sobre uma cultura e um sistema que ainda, com muita frequência, tende a culpar, em vez de ouvir e proteger, aqueles que denunciam.
Na trama, a advogada Tessa aceita sair com seu colega de trabalho, com o qual já havia tido uma relação sexual consensual no escritório. A protagonista aceita sair com ele depois do expediente. Durante o encontro em um bar, ela fica bêbada e convida o homem para ir à casa dela. Depois dela passar mal, o homem insiste em fazer sexo, mas ela nega e acaba sendo estuprada. Com coragem, a advogada decide denunciar, mas acaba sofrendo outros tipos de violências e humilhações desde quando apresenta a queixa na delegacia até o julgamento.
“Prima Facie ressalta que não se deve julgar apenas pela aparência. Se uma mulher diz a um homem 'Não. Eu não quero fazer sexo', a vontade dela tem que ser respeitada. Independente se ela estava usando um decote, ficou bêbada e convidou a homem para ir até a casa dela. Não é não” diz a atriz.
Teatro onírico
Melissa trabalha há muitos anos com a Companhia Finzi Pasca, fundada pelo seu marido, o ator e diretor Daniele Finzi Pasca. A companhia une teatro, dança, acrobacia, circo, ópera, luzes e outros elementos envolvendo o espectador. Na versão italiana da peça "Prima Facie", o diretor usa recursos oníricos, como folhas de papel que caem do teto e flutuam no ar, uma mesa giratória, telões com projeções de imagens, um jogo de luzes, que se junta ao movimento da atriz para contar uma história dramática.
“O Daniele é um diretor que trabalha com o estupor. Ele toca o coração do espectador, porque o teatro dele fala da fragilidade, do poder de acariciar o espectador", diz a atriz. "O espectador está na mesma situação que você, de fragilidade, de medo, de perigo, assim como um ator”, aponta.
Melissa ressalta que a versão italiana da "Prima Facie" realizada pela Companhia Finzi Pasca requer uma concentração ainda maior do ator.
“Além de decorar o texto, a interpretação envolve uma interação com um aparelho cenográfico que gira muito forte, coisas que caem do teto, vídeo, luzes, troca de roupas em cena. A cenografia do jogo teatral é muito presente. Agora, o que mais mexeu comigo, tecnicamente, foi como ele (o diretor) posiciona o corpo, o corpo do ator interagindo com este universo extraordinário”, pontua a artista.
Interpretar e várias línguas
Melissa Vettore tem a experiência de interpretar em cinco idiomas: português, espanhol, inglês, francês e italiano. “Muitos atores falam como é difícil interpretar em outro idioma. Mas é minha paixão. Estou descobrindo italiano cada vez mais e, me dando essa possibilidade de me expressar nesse idioma, encontrar a tessitura, a sonoridade que me comove. Inclusive acho que as línguas me deram até outras liberdades que eu não tinha falando em português”, revela a brasileira.
Mas a atriz conta que, para se preparar para a peça "Prima Facie", as dificuldades de interpretação foram além do idioma. “São 95 páginas e com termos jurídicos traduzidos em italiano. Então eu demorei bastante. Comecei a me preparar e decorar no começo do ano, a partir de março. Eu tive uma pessoa para me ajudar, uma preparadora, a Ilaria Cangialosi, uma atriz italiana. Foi um preparo longo, porque são 18 cenas. O texto te empurra para frente. Ele te joga. É muito cinematográfico, mas foi intenso.” conta a artista.
No caso da personagem Tessa da peça "Prima Facie" o drama da violência sexual toca profundamente a atriz, que já interpretou mulheres que deixaram marcas na história, como a escultora francesa Camille Caudel e a bailarina norte-americana Isadora Duncan.
“A história é dolorida. O tema toca em todas as mulheres, mesmo aquelas que não sofreram alguma forma de violência sexual. Na peça eu lido com respeito. Muitas mulheres ficam profundamente comovidas depois de assistir a peça”, relata.
Na Itália “Prima Facie” conta com o apoio da associação “Differenza Donna” que combate a violência masculina contra as mulheres. “A peça provoca um reviver em muitas mulheres. Por isso, temos uma associação ligada ao espetáculo. As mulheres podem ligar, se informar, pedir ajuda. É uma vontade também da Suzie Miller. Se algumas acabam revivenciando uma violência sofrida, elas podem pelo menos pedir ajuda e se sintir acolhidas” explica Melissa.
A peça "Prima Facie" desencadeou no mundo um amplo debate sobre a necessidade de um sistema de justiça mais receptivo às vítimas de crimes sexuais. A indignação pública provocada por suas apresentações em Londres gerou até mesmo mudanças legislativas no Reino Unido e levou a autora Suzie Miller à Organização das Nações Unidas para discutir a abordagem adotada em relação às vítimas de abuso ou assédio sexual.
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