Planeta Verde

De retrocessos na energia limpa à saída do Acordo de Paris, governo Trump foi modelo "antiambiental"

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Foram quatro anos de mandato, mas os estragos fizeram história na área ambiental. O governo de Donald Trump foi marcado por uma desregulamentação de normas de proteção ao meio ambiente sem precedentes nos Estados Unidos, e inspirou países mundo afora, como o Brasil.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ergue uma placa onde se lê "Trump escava carvão", durante comício em Huntington, Virgínia Ocidental, em 3/08/2017. Durante a campanha presidencial de 2016, Trump fez abertamente campanha pelo carvão, em minas ameaçadas de fechamento para o país poder cumprir seus compromissos no Acordo de Paris.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ergue uma placa onde se lê "Trump escava carvão", durante comício em Huntington, Virgínia Ocidental, em 3/08/2017. Durante a campanha presidencial de 2016, Trump fez abertamente campanha pelo carvão, em minas ameaçadas de fechamento para o país poder cumprir seus compromissos no Acordo de Paris. AFP - SAUL LOEB
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Trump nunca escondeu o seu climatoceticismo: refuta as evidências científicas que indicam que as mudanças climáticas são causadas pela atividade humana e chegou a dizer que o aquecimento global era uma invenção da China. Já nos primeiros meses de governo, passou a desvirtuar a atuação da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês).

"Antes mesmo de assumir, ele disse que para cada nova regra que o seu governo adotasse, ele desregularia outras duas. E ele seguiu isso completamente à risca, não só na área ambiental como também na de direitos humanos e imigração”, ressalta a especialista em políticas públicas Natalie Unterstell, que acompanha há anos as Cúpulas do Clima da ONU. "No campo climático e ambiental, tivemos mais de 100 desregulações em quatro anos, que marcaram esse governo com uma agenda antiambiental”, ressalta.

Uma placa de campanha apoiando o candidato ao Senado da Virgínia Ocidental Patrick Morrisey é vista em uma estrada, com  pano de fundo a usina de Winfield, Virgínia Ocidental, 19 de outubro de 2018.
O senador americano Joe Manchin, 71 anos, é um dos 10 democratas do Senado que concorrem à reeleição nos estados vencidos por Donald Trump.
Uma placa de campanha apoiando o candidato ao Senado da Virgínia Ocidental Patrick Morrisey é vista em uma estrada, com pano de fundo a usina de Winfield, Virgínia Ocidental, 19 de outubro de 2018. O senador americano Joe Manchin, 71 anos, é um dos 10 democratas do Senado que concorrem à reeleição nos estados vencidos por Donald Trump. AFP - MICHAEL MATHES
O Presidente dos EUA, Donald Trump, com uma placa "Trump Digs Coal" durante comício em Huntington, Virgínia Ocidental, 3/08/2017. Durante a campanha presidencial de 2016 nos EUA, Donald Trump não hesitou em colocar um capacete na cabeça e fazer campanha pelo carvão em locais de minas ameaçadas. Estas se setem sob ameaça devido a competitividade do gás xisto e pelas regulamentações ambientais estabelecidas pela administração Obama para adequar o país ao Acordo de Paris.
O Presidente dos EUA, Donald Trump, com uma placa "Trump Digs Coal" durante comício em Huntington, Virgínia Ocidental, 3/08/2017. Durante a campanha presidencial de 2016 nos EUA, Donald Trump não hesitou em colocar um capacete na cabeça e fazer campanha pelo carvão em locais de minas ameaçadas. Estas se setem sob ameaça devido a competitividade do gás xisto e pelas regulamentações ambientais estabelecidas pela administração Obama para adequar o país ao Acordo de Paris. AFP - SAUL LOEB

O ato mais simbólico foi a saída do Acordo de Paris sobre o Clima, assinado em 2015 pelo seu predecessor no cargo, Barack Obama. Trump argumentou que o tratado para limitar as emissões de gases de efeito estufa prejudicaria os Estados Unidos e anunciou a retirada do país em 2017. Ironicamente, a entrada em vigor da decisão aconteceu nesta quarta-feira (4), um dia depois eleições americanas e independentemente do resultado das urnas.

"A partir deste 4 de novembro, a despeito de quem saia vitorioso nesse pleito eleitoral americano, os Estados Unidos estão fora do acordo, de qualquer forma. Num cenário de Biden chegar à Casa Branca, ele já prometeu que retorna ao acordo no seu primeiro dia de mandato, mas isso seria apenas em 20 de janeiro”, afirma a coordenadora do Instituto Talanoa. "Há alguns meses pela frente e, mesmo assim, a gente não sabe em que condições ele voltaria, se manteria a meta que os Estados Unidos adotaram na era Obama ou até com algo mais ambicioso. Há uma série de incertezas.”

Medidas podem ser reversíveis

Natalie avalia que a maioria dos danos dos últimos quatro anos podem ser reversíveis, mas o processo não seria simples. Os Estados e a sociedade civil têm adotado a via judicial para impedir os retrocessos.

Natalie Unterstell. Socioambientalista, formada em Harvard.
Natalie Unterstell. Socioambientalista, formada em Harvard. © Captura de tela

Outra medida simbólica, e igualmente grave, foi o fim do Clean Power Act, o plano de energia limpa que previa a transição do carvão para outras fontes energéticas. A especialista brasileira destaca que, durante a campanha eleitoral, Trump se orgulhou de ter transformado o país "no maior superpoder fóssil do mundo”.

O presidente republicano também interferiu na jurisdição dos Estados americanos para as questões ambientais, com o intuito de impedir avanços em nível local, como os promovidos na Califórnia. "O transporte é a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa dos Estados Unidos e o Trump revogou muitos atos da era Obama, e até anteriores, que promoviam maior eficiência veicular, ou seja, menos poluição. Uma delas exigia que os fabricantes de carro deveriam promover pelo menos 5% de eficiência energética a mais nos veículos por ano, e Trump baixou para 1,5%”, explica Natalie. "Isso tem consequências para a saúde pública, a poluição do ar.”

Onda de desregulamentações ecoa no mundo

O golpe mais recente é a intenção de enfraquecer a Lei Nacional de Política Ambiental, em vigor há 50 anos para licenciar projetos de infraestrutura. A avaliação dos impactos ambientais é considerada “burocrática demais” por Trump, que quer diminuir os trâmites de quatro para dois anos.

Qualquer semelhança com o quadro ambiental no Brasil de Jair Bolsonaro não é coincidência. Aliado do americano, Bolsonaro adotou discurso e práticas semelhantes no país: desmantelou os mecanismos de controle no país e também ameaçou retirar Brasília do Acordo de Paris.

"Se Trump se mantiver, ele com certeza dá um reforço à política ambiental do presidente Bolsonaro. Vale ressaltar que Trump nunca foi um apoiador vocal da destruição da Amazônia, mas, de qualquer forma, Bolsonaro não teria um desincentivo a manter a sua atual narrativa”, avalia a ambientalista. "Se Biden vence, o que pode mudar, e bastante, é que a política climática doméstica americana pode voltar a ser mais ambiciosa, sobretudo se houver mudanças no Congresso também. Eles isso colocaria uma pressão nos ombros do presidente brasileiro e seus ministros."

Em campanha, Joe Biden prometeu destinar US$ 2 trilhões para o chamado New Deal verde e liderar um esforço global para juntar US$ 20 bilhões para a proteção da Amazônia.

O candidato democrata à presidência e ex-vice-presidente Joe Biden fala sobre mudanças climáticas e os incêndios que afetaram os estados ocidentais, em 14 de setembro de 2020, em Wilmington, Del.
O candidato democrata à presidência e ex-vice-presidente Joe Biden fala sobre mudanças climáticas e os incêndios que afetaram os estados ocidentais, em 14 de setembro de 2020, em Wilmington, Del. AP - Patrick Semansky

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