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Clima: Governos não podem mais postergar queda de emissões para evitar o pior, alerta IPCC

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O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas) deixa ainda mais evidente o quanto a humanidade corre contra o tempo para limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C, ou, no máximo, a 2°C até o fim deste século – os cenários menos devastadores para as futuras gerações. O recado é claro: os governos não podem mais se dar ao luxo de postergar ou deixar para os próximos gestores a tarefa de cortar emissões de gases de efeito estufa.

Atividade industrial responde por parcela considerável das emissões de CO2 na atmosfera. Na foto, uma fábrica em Phnom Penh, Camboja. (20/01/2011)
Atividade industrial responde por parcela considerável das emissões de CO2 na atmosfera. Na foto, uma fábrica em Phnom Penh, Camboja. (20/01/2011) ASSOCIATED PRESS - Heng Sinith
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Lúcia Müzell, da RFI

Isso porque, para manter os objetivos mais ambiciosos do Acordo de Paris sobre o Clima, restam menos de três anos para o mundo atingir o pico de emissões de CO2. Depois de 2025, elas nunca mais poderão voltar a subir: precisam cair 43% até 2030 e serem zeradas da metade do século em diante.

"Diferentemente de um passado mais distante, em que essa urgência era 10, 15 ou 20 anos à frente, onde o mundo e as pessoas poderiam fingir que não eram com elas, agora estamos falando que as há coisas que precisam acontecer em no máximo dois ou três anos. Então, de fato, agora a conversa mudou”, afirma o pesquisador da UFRJ Roberto Schaeffer, um dos autores do capítulo sobre mitigação e objetivos a longo prazo, do relatório divulgado nesta semana. "O mundo hoje já está 1,08°C, quase 1,1°C mais quente. Se você perder esse prazo de ter o pico das emissões antes de 2025, o 1,5°C e até o 2°C já estarão perdidos”, destaca.

Emissões continuam a crescer

O maior problema é que a última década teve o maior aumento de emissões da história da humanidade, como lembra o Observatório do Clima, ao analisar o texto. Para se ter uma ideia, em vez de caírem,  elas cresceram 12% em 2019, em relação a 2010, e 54% na comparação com 1990 – o que faz a janela do otimismo se fechar cada vez mais.

"Agora, sim, a gente pode começar a cobrar, dos governos atuais e dos que virão nos próximos mandatos, ações efetivas. Eles não poderão mais ‘lavar as mãos’”, salienta Schaeffer. "Boa parte das soluções para reduzir as emissões de gases de efeito estufa passa pelo uso de tecnologias de baixo carbono, que avançaram muito e os seus custos, de fato, despencaram nos últimos anos.”

Schaeffer se refere especialmente ao setor de energias, responsável por 80% das emissões mundiais. Tecnologias que há uma década eram acessíveis a poucos, como veículos elétricos, hoje baratearam e a tendência é o preço cair ainda mais – de modo que a eletrificação de toda a cadeia de transportes é uma das soluções do futuro.

As fontes fósseis, como carvão, devem progressivamente abandonadas e a eletricidade deverá vir de fontes renováveis, principalmente de usinas eólicas e solares – que hoje também se tornaram abordáveis. O desenvolvimento do setor representa uma oportunidade imensa para o Brasil, observa a bióloga Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília. Ela integra o grupo de autores brasileiros do relatório.

“A gente tem que olhar para os países menos desenvolvidos e em desenvolvimento de forma que eles não fiquem aprisionados a tecnologias de alto carbono, que não terão mais espaço no futuro. Ou seja, que eles já encaminhem o seu desenvolvimento com essa perspectiva de baixo carbono”, frisa a pesquisadora.

Brasil e o desafio desmatamento

Em mitigação, o desafio número 1 do Brasil é diminuir o desmatamento – que, no atual governo, apenas cresceu a níveis jamais vistos desde o início dos anos 2000. A agricultura, principalmente a pecuária, responde por cerca de dois terços das emissões do país.

"As emissões que vêm da agricultura são principalmente o gás metano, que vem da atividade de criação animal, sobretudo ruminantes, e as emissões da aplicação de fertilizantes nitrogenados no campo. São emissões difíceis de abater”, explica Bustamante, ressaltando a importância de investimentos pesados em ciência, tecnologia e inovação para o país reduzir o impacto da cadeia.

Xinguara, no Pará, é conhecida como a "capital do boi gordo". Redução das emissões da pecuária são imenso desafio para o Brasil.
Xinguara, no Pará, é conhecida como a "capital do boi gordo". Redução das emissões da pecuária são imenso desafio para o Brasil. © Bruno Cecim ag.Pará

"A gente tem setores que percebem que essa é tendência e não tem outra opção a não ser a sustentabilidade para garantir o futuro da atividade, e tem setores mais reticentes de perceber que essa é a trajetória que devem seguir. Por isso, é muito importante que haja um alinhamento das políticas públicas. A crise climática não será resolvida apenas pelos governos, mas eles pavimentam o caminho”, avalia a especialista.

Este sexto relatório IPCC, dividido em três partes, é o resultado do trabalho obstinado de mais de 800 cientistas de 65 países durante quatro anos. Eles detalharam as consequências da alta das temperaturas para o planeta, as formas de a humanidade se adaptar ao problema e como a crise climática pode ser minimizada, graças à redução de emissões de gases de efeito estufa. O próximo documento é esperado para 2028.

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