Documentário brasileiro em competição em Biarritz conta tragédia da barragem de Mariana
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Entre os documentários em competição no Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz, “O lugar mais seguro do mundo” é um registro de uma das maiores tragédias socioambientais do planeta. As diretoras Aline Lata e Helena Wolfenson acompanharam a história de Marlon, um jovem que teve a vida transformada após ser vítima do rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração, em Mariana, Minas Gerais.
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Maria Paula Carvalho, enviada especial da RFI a Biarritz
“É importante contar essa história porque a mineração não está restrita a apenas um lugar. A mineração está em todos os países, nos objetos que a gente usa. E o filme fala das consequências dessa exploração só pelo lucro, sem pensar em sustentabilidade", explica Aline Lata, em entrevista à RFI Brasil, em Biarritz. "E precisamos refletir sobre isso e sobre nosso consumo”, completa.
Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem do Fundão da mineradora Samarco, explorada em conjunto pela Vale e BHP Billiton, provocou uma enxurrada de lama que devastou o distrito de Bento Rodrigues e grande parte do Vale do Rio Doce. Dezenove pessoas morreram na tragédia.
“Nós fomos para Mariana impactadas com as notícias de uma onda de 14 metros de lama que destruiu não só Bento Rodrigues, que é a cidade do Marlon, mas também quilômetros de devastação até o mar, no Espírito Santo”, conta Aline. “Começamos a conversar com as vítimas e resolvemos voltar com elas às suas casas, e foi muito forte ver uma cidade soterrada”, acrescenta.
“O lugar mais seguro do mundo” conta as dificuldades desse personagem obrigado a deixar sua casa e procurar moradia na periferia. O filme aborda o drama dos que foram atingidos por esse grande acidente da mineração brasileira, e foi selecionado em diversos festivais, ganhando o Canon Jury Prize (prêmio do júri) de Melhor Filme Internacional no Doclisboa, em Portugal, em 2021.
Onda de lama
“Usamos as imagens dessa primeira visita ao local e, ao longo de quase seis anos, voltamos várias vezes a Mariana. Também tem imagens do Google da cidade, imagens de celular dessa onda de lama chegando a Bento Rodrigues e a imagem fortíssima do rompimento da barragem de Brumadinho, que é bem famosa, pois rodou em vários meios de comunicação”, explica a diretora sobre os arquivos usados no documentário.
Muitas pessoas ficaram desabrigadas com o rompimento da barragem. A lama, além de causar a morte dos rios, destruiu uma grande região ao redor desses locais. A força desta onda de rejeitos arrancou a mata ciliar, e o que restou foi coberto pelos resíduos do acidente.
“Eu fiquei muito impactada. Para mim, foi muito forte chegar lá, primeiro como voluntária, e ver tudo aquilo, o quão profundo é o impacto de uma empresa numa cidade cuja economia gira em torno dela. E o medo das pessoas em denunciar, por receio de perderem o trabalho. Mas as pessoas diziam que isso podia acontecer”, destaca a cineasta. “Foi um crime e me impactou, também, como o Marlon tinha consciência disso e tinha coragem de falar e de resistir, junto com a família dele inteira”, revela.

O crime de homicídio foi retirado do processo em 2019 pela Justiça brasileira. As mortes provocadas pelo rompimento da barragem foram consideradas como consequência da inundação causada pelo rompimento.
“O filme mostra Marlon entrando em conflito várias vezes com a Samarco, empresa responsável pela barragem juntamente com a Vale e a BHP [Billiton]. Todas as vezes que nós fomos a Bento Rodrigues, éramos perseguidos pelos carros da Samarco falando que não poderíamos estar ali, e o Marlon reivindica que ali é a casa dele”, ela conta. "Nós não temos a versão da empresa porque ela é a que tem mais voz nessa história, então preferimos escutar o Marlon”, explica Aline.
Muitas comunidades ainda precisam ser reconstruídas e mais de R$ 20 bilhões já foram investidos em remediação, compensação de danos e recuperação do meio ambiente.
“Mariana é um exemplo de outras cidades de Minas Gerais e do Nordeste que sofrem com a exploração de barragens”, conclui a diretora.
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