Reportagem

Gustave Eiffel teria projetado monumentos no Brasil, como o Farol de São Tomé

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Gustave Eiffel, o construtor da Torre Eiffel, morreu há cem anos. A RFI aproveita o centenário de morte, marcado na França por uma série de eventos, para falar do legado do engenheiro francês que entrou para a história como o “mágico do ferro”. Eiffel é mundialmente conhecido pela torre que leva seu nome, principal cartão postal de Paris e da França, mas ele projetou ou construiu mais de 500 monumentos em cerca de 30 países, nos cinco continentes. E no Brasil? A reportagem foi conferir.

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Farol de São Thomé
Farol de São Thomé © Fotomontagem fotos Adriana Brandão
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No Brasil, várias fontes, inclusive acadêmicas, e sites na internet atribuem o projeto do Farol de São Tomé ao engenheiro francês. O equipamento de sinalização fica na cidade de Campos dos Goytacazes, no norte do estado do Rio de Janeiro. A torre metálica vermelha se destaca na paisagem da Praia do Farol, que ganhou esse nome por causa do monumento.

A estrutura, de 45m de altura e 216 degraus, foi construída pela empresa francesa Barbier & Fenestre e inaugurada em 29/07/1882, dia do 36° aniversário da Princesa Isabel. Com mais de 100 anos, o equipamento, que pertence à Marinha do Brasil, funciona até hoje.

A torre metálica tem 45m de altura e 216 degraus.
A torre metálica tem 45m de altura e 216 degraus. © Adriana Brandão/ RFI

Farol de cabotagem

O suboficial Carlos Eduardo Moreira, que mora no local juntamente com três outros militares da Marinha e seus familiares, é o faroleiro responsável pelo Radiofarol São Tomé. Segundo ele, o equipamento “é um farol de cabotagem” que tem como função principal “a segurança da navegação e, consequentemente, a salvaguarda da vida humana no mar”.

O sistema de iluminação, garantido por uma lâmpada de 1.000 watts com uma rotação de 67 segundos e meio, tem um alcance luminoso de 40 mil milhas e um alcance geográfico, a olho nu, de 17 mil milhas. O sinal é “uma referência, tanto para navegação amadora como profissional”, informa Carlos Eduardo.

“Secundariamente, ele (o farol) serve como ponto turístico da área”, afirma o faroleiro. No entanto, a torre de São Tomé não é aberta a visitação pública.

Participação de Eiffel

A atribuição do projeto da torre metálica a Eiffel aumenta ainda mais o interesse pelo monumento. Mas nenhum documento da Marinha do Brasil, que encomendou o equipamento à empresa francesa no século 19, confirma a participação de Eiffel no projeto.

“Eu desconheço e não sei informar se há um documento que comprove, que atrele a construção a Eiffel”, salienta o faroleiro. Ele ressalta, no entanto, que a “história que é contada, que acabou se perpetuando de uma forma geral, é que foi ele (Eiffel), talvez pela estrutura se remeter um pouco e lembrar a Torre Eiffel que é o mais famoso projeto dele”. 

A jornalista Fabiana Henriques começou a se interessar pela história do monumento campista quando fundou o Portal de Notícias do Farol em 2011. A autoria de Eiffel ainda não é comprovada, mas ela acredita na veracidade dessa versão detalhada em vários sites e biografias do engenheiro francês na internet, como no Wikipédia.

Fabiana Henriques, Fundadora Portal de Notícias do Farol.
Fabiana Henriques, Fundadora Portal de Notícias do Farol. © Adriana Brandão/ RFI

“Eu acredito que deve ter um quê de verdade”, diz Fabiana Henriques. Ela pensa que Eiffel não foi citado no projeto do farol brasileiro porque na época da inauguração ainda era desconhecido. “Gustave Eiffel ficou mundialmente conhecido pelas suas obras, a Estátua da Liberdade, nos Estados Unidos, e a Torre Eiffel, em Paris. Essas obras só foram inauguradas 4 a 7 anos depois que a nossa torre do Farol. Talvez por conta disso, acredito eu, a empresa não viu nenhuma relevância em citar o nome dele”, indica a jornalista

No arquivo municipal de Campos, o jornal da época “O Monitor Campista” registrou os preparativos e a inauguração do Farol de São Tomé em julho de 1882. O diário cita a empresa “Barbier e Fenestre” e nomes, como os do engenheiro William Cuningham e do mecânico Victor Alliquant que participaram da construção, mas Eiffel não é citado em nenhum documento. “Nos jornais, não há qualquer menção isso”, confirma “categoricamente” a historiadora Rafaela Machado do arquivo municipal de Campos.

A historiadora fez pesquisas em outros arquivos e completa dizendo que até o momento “não há qualquer documentação que sinalize a participação dele, direta ou indireta, no projeto”. Mas ela ressalta que, independentemente de ter sido ou não projetado ou erguido pelo Eiffel, o Farol de São Tomé é um símbolo para a cidade de Campos dos Goytacazes. “É um monumento para o campista e para nossa costa. A própria narrativa, que entrou para a história de Campos, de que o Eiffel tenha participado, é também importante na própria história do Farol de São Tomé”.

Rafaela Machado, Historiadora/Arquivo de Campos.
Rafaela Machado, Historiadora/Arquivo de Campos. © Adriana Brandão/ RFI

Monumento tombado

O Farol de São Tomé é tombado pelo patrimônio municipal. As autoridades locais tentam comprovar a participação de Gustave Eiffel no projeto para pedir também o tombamento regional e nacional do monumento. Genilson Paes, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos de Goytacazes, já entrou em contato com a Associação dos Descendentes de Eiffel, responsável pelos direitos patrimoniais do construtor francês, mas os documentos enviados não foram suficientes.

“Nós fizemos uma tentativa em 2017, fizemos contato com o site Associação dos Descendentes do Gustavo Eiffel, mas o que nós mandamos para eles ainda não é suficiente para ter a chancela da família ou reconhecimento que aquilo ali é um projeto original, um projeto autêntico feito ou projetado pelo engenheiro Gustavo Eiffel”, lembra.

O presidente do IHG de Campos espera ainda conseguir a documentação que respalde a autoria. ”A gente está nessa luta ainda. Em breve, eu acho que a gente vai conseguir resolver esse problema e aí nesse sentido a gente consegue pedir também o tombamento em nível estadual, pelo Inepac, e, posteriormente, o tombamento pelo Iphan”, espera Genilson Paes. 

Genilson Paes, Pres. Inst. Hist. e Geo. de Campo.
Genilson Paes, Pres. Inst. Hist. e Geo. de Campo. © Adriana Brandão/ RFI

Associação de Descendentes de Eiffel

Outros faróis, idênticos aos de São Tomé, foram construídos também pela Barbier & Fenestre no Brasil e ainda estão intactos em Salinópolis, no Pará, e Belmonte, na Bahia. A estrutura metálica do mercado municipal de Manaus também chegou a ser atribuída ao construtor da Torre Eiffel, mas segundo o Iphan, o Instituto do Patrimônio Historio e Artístico Nacional, não há no Brasil nenhum monumento de autoria do engenheiro francês.

Ao iniciarmos essa reportagem, o site da Associação de Descendentes do Eiffel, em Paris, citava a Ponte de La Oraya (!) como única obra de Eiffel no Brasil. Quando questionamos a informação, dizendo que a ponte fica no Peru, eles retiraram o monumento da lista. Sobre o Farol de São Tomé, Savin Uastman-Eiffel, representante da associação, nos escreveu dizendo que a atribuição do projeto a Eiffel é uma pergunta feita com frequência pelo Brasil.

Posteriormente, ele compartilhou com a RFI um parecer categórico do especialista estoniano Indrek Laos. “Não existe nenhuma ligação entre Farol de São Tomé e o legado de Gustave Eiffel. Esse projeto não foi criado por ele. Ele é baseado no projeto de farol a céu aberto do engenheiro sueco Nils Gustaf von Heidenstam, que usou hastes de tração e barras de tensão para criar este modelo inovador de estrutura metálica”. 

O especialista da Academia de Artes da Estônia diz inclusive que Eiffel “criticou o projeto de Heidenstam”. Apesar disso, o equipamento de sinalização náutico brasileiro “é um magnífico monumento do patrimônio industrial e o terceiro farol mais antigo do mundo, ainda existente, construído pela Barbier & Fenestre”, conclui Indrek Laos.

 

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