Festival de fotografia de Arles festeja Brasil e presta homenagem a Sebastião Salgado
Publicado em:
Artistas visuais, galeristas, curadores, editores e amadores da fotografia têm encontro marcado a partir desta semana para os Rencontres (Encontros) de Arles, no sul da França, um dos principais eventos internacionais dedicados à imagem e suas declinações. O Brasil é o grande destaque da programação deste ano. Na projeção de abertura, na terça-feira (3), o festival homenageou o fotografo brasileiro Sebastião Salgado.

Patrícia Moribe, de Arles
O Teatro Antigo de Arles, do ano 12 a.C., abriu a semana de projeções com uma homenagem a Sebastião Salgado, falecido em maio. Lélia Wanick Salgado, viúva do fotógrafo, e o filho Juliano subiram ao palco para agradecer a homenagem, antes da projeção de imagens históricas de Salgado, ao som do também mineiro Milton Nascimento.

A noite teve também a participação da fotografa americana Nan Goldin, homenageada com o prêmio Women in Motion. Ela participou de um debate com o escritor Édouard Louis e ambos denunciaram a matança de palestinos em Gaza. Uma pessoa do auditório se exaltou e lembrou do atentado de 7 de outubro, causando alvoroço.
Brasil diverso
No contexto da Temporada Brasil-França 2025, o Brasil é um dos principais eixos dos Encontros de Arles, com temas centrados na diversidade cultural e olhar atento a temas pós-coloniais e de gênero.
As exposições com temáticas brasileiras apresentam um recorte importante da produção nacional, desde os modernistas do início do século XX até obras contemporâneas.
“O festival oferece uma oportunidade crucial para que a mensagem dos artistas brasileiros, que frequentemente lidam com os desdobramentos do empreendimento colonial europeu nas Américas, retorne para a Europa como uma pergunta sobre o legado de sua presença”, explica Thyago Nogueira, editor-chefe da revista Zoom e coordenador da área de arte contemporânea do Instituto Moreira Salles (IMS).

Nogueira traz duas mostras: "Futuros Ancestrais", na Igreja dos Trinitários, e “No Lugar do Outro". A primeira exposição, um projeto independente do curador, reúne 13 artistas e coletivos que "repensam o poder das imagens e o poder da fotografia para narrar, interpretar e pensar o Brasil contemporâneo", explica o curador. A mostra inclui trabalhos que utilizam diversas tecnologias visuais, como fotografia, vídeo, inteligência artificial e performance, e muitos artistas investigam arquivos do próprio país para abordar suas vidas, experiências, comunidades, formas de espiritualidade e visões de mundo.
A outra mostra de Nogueira em Arles é "Claudia Andujar: no lugar do outro”, produzida pelo Instituto Moreira Sales, na Maison des Peintres, com as primeiras e menos conhecidas imagens da fotógrafa suíça-brasileira, realizadas antes de Andujar abraçar a causa Yanomani, no início dos anos 1970. A mostra explora como ela formou seu olhar fotográfico desde que emigrou para o Brasil, incluindo suas primeiras séries sobre famílias brasileiras, seu trabalho para a Revista Realidade, e sua abordagem experimental, humanista e fotojornalística.
Outro destaque brasileiro é a exposição "Retratistas do Morro: João Mendes e Afonso Pimenta, Reflexos da Comunidade da Serra, Belo Horizonte (1970-1990)". O projeto, coordenado por Guilherme Cunha, traz o trabalho de dois fotógrafos que trabalham nos arredores de Belo Horizonte (MG). Presentes em Arles, Mendes e Pimenta encantam os visitantes, contando causos e comentando as fotos, como a de uma noiva no meio de uma favela que acabou virando capa da revista Zoom.

O festival também destaca a fotografia modernista brasileira (1939-1964), na seção "Géométrie Variable" (geometria variável), sob o título "Construção, Desconstrução, Reconstrução". Com curadoria de Héloise Costa e Marcela Marer, a exposição foi inspirada na poesia concreta e se organiza em torno de três conceitos curatoriais: "construção" (da modernidade e de um futuro promissor), "desconstrução" (revelando os bastidores do progresso e a exclusão dos que o construíram) e "reconstrução" (do mundo através da experimentação).

Marcela Marer destaca a inclusão de mulheres fotógrafas, como Dulce Carneiro, Gertrudes Altschul e Alice Brill, apesar das restrições sociais da época que ainda limitavam a incursão feminina no cenário artístico. Héloise Costa detalha a história do Foto Cine Clube Bandeirante, fundado em 1939 por fotógrafos amadores que, ao acompanhar o crescimento de São Paulo, evoluíram do pictorialismo para uma fotografia moderna e experimental, dando origem à Escola Paulista de Fotografia a partir de 1945, com nomes como Geraldo de Barros e Thomas Farkas.
Encantamento e mistérios
Ian Cheibub, 26 anos, ocupa o subsolo da Fundação Manuel Rivera Ortiz, para apresentar "Alumbre na Macaia", com curadoria de Gláucia Nogueira. O nome do projeto, explica o artista, vem de "alumbrar", de encantar e iluminar, e "macaia", que pode ser um lugar de ervas sagradas ou qualquer mata onde o caboclo mora, uma "não-divisão" entre terra e céu. Ian explica que sua motivação surge de um "descontentamento" com a representação "exótica" frequentemente feita da imagem, especialmente a relacionada à "macumba", que é muito mais complexa do que as camadas superficiais mostram.

Neto de mãe de santo, sua família tem terreiros desde os anos 1940. Ele relata sua primeira lembrança de ritual sendo um "banho de santo" na infância. Hoje ele mergulha negativos expostos em banhos de santo para obter imagens únicas, envoltas em magia e assombramento.
A curadora Denise Camargo participou de um debate com Ian Cheibub na quarta-feira para discutir questões ligadas à ancestralidade e diáspora
Hub de brasileiros
Tradicionalmente durante o OFF (eventos paralelos) de Arles, a Associação Iandé, de incentivo à fotografia brasileira na França e na Europa, organiza debates entre fotógrafos brasileiros e o público, sessões de autógrafos e projeções. Entre os livros, projetos e artistas apresentados pela Iandé este ano estão Barbara Bragato, com “Coragem de Fugir”; Marcelo Greco, com “Fogueira Doce “; e Carolina Arantes, com “First Generation”, além dos trabalhos inéditos de Bruno Zorzal (“Apesar do Real”), Ana Paula Albé (“Home Street Home”), Marcos Bonisson (‘Espectra”).
Nesta quarta-feira, a Iandé também organiza uma projeção, em conjunto com o Festival de Fotografia de Tiradentes, apresentando o trabalho da artista Anna Kahn.
Na feira de livros dos Encontros de Arles, a editora Lovely House comparece com cerca de 40 títulos de artistas brasileiros. Os fotógrafos Ricardo Tokugawa, autor de “Utaki”, e Rafael Roncato, de ‘Tropical Trauma Misery Tour “, representam a editora de São Paulo durante a semana profissional.
Destaques Internacionais
Além de tendências, Arles também reverencia grandes nomes da fotografia, como Nan Goldin, que trouxe o trash, as drogas, a Aids, a intimidade e os excessos para as grandes instituições culturais do mundo. Ou Letizia Battaglia (1935-2022), com seu trabalho seminal sobre a máfia siciliana. O americano Todd Hido traz suas imagens magicamente fantasmagóricas de casas e paisagens, além de compartilhar suas experiências em mesas redondas.
Outra mostra, “Yves Saint-Laurent e a Fotografia”, com curadoria de Simon Baker e Elsa Jansen, revela o respeito que o estilista tinha pela fotografia e fotógrafos e vice-versa. Em mais de 80 imagens, Saint-Laurent (1936-2008) posa para grandes nomes como Richard Avedon, Helmut Newton, Irving Penn, Jeanloup Sieff, Andy Warhol e muitos outros.
Os Encontros de Arles acontecem no sul da França até 5 de outubro.
* Correção – ao contrário da informação anterior, das duas exposições curadas por Thyago Nogueira, apenas “Cláudia Andujar, No Lugar do Outro”, foi produzida pelo Instituto Moreira Sales.
NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.
Me registro