Pesquisadora lança livro sobre influência do Brasil na música francesa do século 19
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Radicada em Paris, a pianista, pesquisadora e musicóloga brasileira Zélia Chueke acaba de lançar seu quarto livro, dedicado às influências e trocas musicais entre Brasil e França no século 19. Em entrevista à RFI, ela detalha o processo de pesquisa que deu origem à obra — fruto de uma investigação minuciosa baseada em inventários históricos, que revelam conexões surpreendentes entre os dois países.

A ideia da obra Quand le Brésil inspire la France (“Quando o Brasil inspira a França”, em tradução livre), publicada pela editora L’Harmattan, surgiu a partir de uma descoberta peculiar feita por Danièle Pistone, fundadora do Observatório Musical da França: uma lista de composições francesas da segunda metade do século 19 cujos títulos evocavam o Brasil. Inseridas em gêneros populares da época – como valsas e polcas – essas partituras revelaram nuances culturais que motivaram Zélia Chueke, diretora do Grupo de Pesquisa Músicas Brasileiras da Universidade Paris-Sorbonne, a desenvolver o que ela chama de “uma trama musical”.
“São peças que não têm necessariamente o interesse em termos de qualidade musical, nem foram peças que entraram para a história da música. Mas elas abrem um caminho e desvendam um cenário sociocultural”, explica a pianista e pesquisadora.
Zélia ressalta que foi graças à identificação de pequenos detalhes que pôde verificar o quanto a música brasileira influenciou a francesa no chamado “Século das Revoluções”. Elementos como títulos, imagens de capa e dedicatórias de partituras, revelam traços dos costumes da época, como “meninas de boa família que tocavam piano”, destaca, além de alusões ao imaginário do exótico, refletindo “o que os franceses pensavam que seria o Brasil”, observa a pesquisadora.
Histórias contadas por partituras
Ao longo da pesquisa, Zélia também identificou marcas da música brasileira em obras de compositores estrangeiros, como os italianos Joseph Fachinetti e Luigi Carvelli, além do norte-americano Charles Lucien Lambert. Este último é autor de uma peça que remete à cantiga popular “Cai, cai, Balão”, de Assis Valente – evidência de como elementos nacionais foram incorporados e reinterpretados fora do Brasil. “Cada partitura conta uma história diferente”, ressalta a musicóloga.
Ao estudar essas composições francesas, Zélia também se deparou com uma curiosa recorrência na França, em uma época em que as canções cívicas tinham grande relevância: muitas dessas obras evocam trechos do Hino Nacional do Brasil. Segundo ela, o ritmo marcante da melodia brasileira despertava o interesse de compositores estrangeiros.
Além de revelar conexões musicais entre Brasil e França, a pesquisa também conduziu Zélia a um mergulho na Paris do século 19 — uma cidade que, apesar das transformações, mantém traços facilmente reconhecíveis ainda hoje. Um exemplo é o trajeto entre a Rue Vivienne e o Teatro do Châtelet, no 1º distrito da capital francesa, caminho habitual dos professores e alunos do Conservatório de Paris daquela época.
No acervo de um dos espaços mais emblemáticos da cultura parisiense, Zélia localizou dois jornais especializados que, com frequência, faziam referência ao Brasil: La France Musicale e L’Art Musical. Para a pesquisadora, essas publicações desempenharam um papel importante na construção do imaginário francês sobre o país e podem ter influenciado diretamente compositores como Félicien David – autor da ópera-cômica La Perle du Brésil (“A Pérola do Brasil”), estreada em 1851.
“Essa foi a primeira ópera de Félicien David, que fez muito sucesso, que salvou o Théatre Lyrique, que enfrentava problemas para se manter. Entendemos que ‘La Perle du Brésil’ deve ter incentivado pessoas a olharem o que era o Brasil”, diz.
Mistérios a serem desvendados
Outros mistérios sobre a possível influência do Brasil nas composições francesas ainda permanecem sem resposta. É o caso do compositor Henri Duvernoy, autor da peça Première mosaïque du chant brésilien (Primeiro Mosaico do Canto Brasileiro, em tradução livre). No trabalho, o artista e professor de solfejo evoca uma série de lundus e modinhas – gêneros musicais tradicionais que marcaram a identidade musical brasileira do século 19.
O que chama a atenção de Zélia é o fato de não haver qualquer registro de vínculo direto entre Duvernoy e o Brasil, ou indícios de que ele tenha visitado o país. “Fica esse mistério sobre onde ele encontrou esses temas”, observa. “O máximo que nós podemos dizer é que alguns alunos brasileiros de solfejo passaram pela classe de Duvernoy.”
Uma hipótese levantada pela pesquisadora é que Duvernoy tenha tido acesso a publicações como La France Musicale e L’Art Musical, e que essas leituras o tenham inspirado. Para Zélia, esse é apenas um dos muitos enigmas que merecem ser explorados.
“O objetivo do meu livro é exatamente esse: incitar as pessoas a continuarem essa história, que é sempre vista de um lado. Mas tem outros lados, que também são muito interessantes”, conclui.
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