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“Existe uma gratidão pela vida e respeito por quem a perdeu”, diz brasileiro sobrevivente dos atentados de Paris

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Em 13 de novembro de 2015, a França viveu os atentados terroristas mais violentos de sua história recente. Ataques coordenados atingiram diversos pontos da capital: o Stade de France, a casa de espetáculos Bataclan e bares e restaurantes parisienses. O massacre deixou 130 mortos e cerca de 400 feridos. Entre os sobreviventes estava o arquiteto brasileiro Diego Mauro Muniz Ribeiro. Em entrevista à RFI, ele compartilhou como foi viver essa tragédia de perto.

O arquiteto brasileiro Diego Mauro é um dos sobreviventes dos ataques ocorridos em 13 de novembro de 2015 em Paris.
O arquiteto brasileiro Diego Mauro é um dos sobreviventes dos ataques ocorridos em 13 de novembro de 2015 em Paris. © Cecília Bastos, USP Imagens
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Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris

Naquela noite, Diego celebrava com colegas de universidade no terraço de um restaurante, quando foi ferido levemente por estilhaços provocados pelos disparos dos terroristas.

“Com o passar do tempo, consegui administrar e narrar os fatos com um pouco mais de tranquilidade”, conta, preferindo não descrever a cena do crime para evitar a emoção. “Eu estava fazendo uma pesquisa de mestrado, com bolsa de quatro meses na Itália, e iria passar três semanas em Paris, hospedado por um professor da USP. Naquela noite, o objetivo era uma confraternização entre colegas brasileiros, pessoas que eu nem conhecia ainda.”

O restaurante Le Petit Cambodge, no 10° distrito de Paris, foi a segunda tentativa do grupo, após não conseguirem mesa em outro local, já lotado. “Nós nos sentamos na calçada, numa esquina. Já havíamos terminado a refeição. Minha lembrança é de ouvir uns barulhos, mas sem entender muito bem do que se tratava.”

“Quando olhei para a direita, a cerca de 45 graus, vi luzes, mas não percebi que eram tiros na minha direção.”

A primeira reação foi se jogar no chão. Em seguida, Diego se levantou e correu. “Lembro que corri por muito tempo, até entrar em um supermercado, onde já havia outras pessoas. Perguntei o que estava acontecendo e confirmaram que eram tiros. É uma situação de estresse tão grande que você não consegue nomear o que está acontecendo.”

Sentindo um calor intenso na testa, ele foi ao banheiro e colocou um papel sobre o rosto. “Sangrava, mas era um corte superficial. Quando voltei à calçada, tudo estava diferente. Nenhuma mesa estava no lugar. Eram só estilhaços. As cadeiras e mesas estavam todas dispersas.”

Outros dois brasileiros também foram atingidos por tiros no mesmo restaurante. “A primeira estava na calçada recebendo apoio. Quando entrei no restaurante, vi o segundo.”

Fachada do  restaurante "Le Petit Cambodge", onde se encontrava o grupo de brasileiros durante o ataque.
Fachada do restaurante "Le Petit Cambodge", onde se encontrava o grupo de brasileiros durante o ataque. RFI/Daniel Finnan

Homenagens às vítimas e sobreviventes

Os três brasileiros se reencontraram em eventos relacionados aos atentados. Todos os anos, a prefeitura de Paris organiza cerimônias solenes em homenagem às vítimas e sobreviventes nos seis locais atingidos pelos terroristas.

Nesta quinta-feira (13), para marcar os dez anos dos atentados, uma noite especial será organizada no centro da capital, com a presença do presidente Emmanuel Macron, da prefeita Anne Hidalgo, associações de vítimas e dos parisienses. O evento será transmitido pela televisão.

Na praça Saint-Gervais, próxima à prefeitura, será inaugurado o Jardim Memorial às vítimas dos ataques de 13 de novembro de 2015.

“Na França, as homenagens são extremamente sóbrias e silenciosas. É muito respeitoso. Fiquei muito emocionado na primeira vez que participei. Estamos bem, dentro do possível. Mas ainda é um processo longo para elaborar essa violência, que para mim soa como gratuita.”

Antes dos atentados, Diego nunca imaginou que poderia ser vítima de um ataque jihadista. “Não é o tipo de coisa que eu associava à Europa, e nunca vi nada parecido no Brasil.”

Apesar do tempo que passou, as lembranças permanecem e mudaram seus hábitos. “Desde aquela época, não me sento mais de costas para a entrada de nenhum lugar. Sempre imagino uma rota de fuga, um local onde possa me abaixar se algo acontecer — mesmo que seja em uma biblioteca.”

Diego passou por acompanhamento com um psiquiatra e um psicanalista para seguir em frente. Voltou a Paris três vezes para compromissos relacionados aos atentados, seja para dar depoimentos ou participar de solenidades públicas.

“Quando estou aí, me sinto bem. Não fico apavorado. Não tenho medo. Existe uma gratidão pela vida e, ao mesmo tempo, um respeito profundo pelas pessoas que a perderam naquele exato momento em que eu estava lá.”

Restaurante Le Petit Cambodge
Restaurante Le Petit Cambodge AFP - MATTHIEU ALEXANDRE

Na época, Diego tinha 28 anos. Hoje, aos 38, é arquiteto formado. Mas alguns planos profissionais foram alterados pela tragédia. “Isso também impactou minha carreira. Eu estava fazendo uma pesquisa de mestrado e não dei continuidade. Não tive mais vontade de retomar esse projeto. Também era estudante de francês, mas não voltei a estudar depois disso. Trabalhei com curadoria em artes visuais e tentei mudar a trajetória da minha carreira.”

O arquiteto Diego Mauro Muniz Ribeiro.
O arquiteto Diego Mauro Muniz Ribeiro. Patrícia Almeida

O julgamento

O processo judicial dos atentados durou dez meses. Nenhum dos 20 acusados recorreu da decisão, e o julgamento foi encerrado oficialmente em 12 de julho de 2022. O único participante ainda vivo do comando jihadista que organizou os ataques, Salah Abdeslam, foi condenado à prisão perpétua.

Diego não acompanhou o julgamento. “Para mim, não sei se o resultado muda muita coisa. Acho importante que tenha havido esse processo, mas optei por me preservar, deixar isso um pouco de lado.” Ele conclui com uma mensagem aos franceses: “Gostaria apenas de dizer que se sintam cumprimentados e abraçados nesta data.”

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