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'Foi um desvio, não uma vida interrompida', diz brasileiro que sobreviveu a atentados de 2015 em Paris

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Na semana em que a França presta homenagens às vítimas dos atentados de 13 de novembro de 2015, os mais violentos da história recente do país, a RFI conversa com sobreviventes do massacre. Naquela noite, há exatos dez anos, ataques jihadistas coordenados atingiram diversos pontos de Paris, deixando 130 mortos e cerca de 400 feridos. A data será marcada por uma cerimônia na quinta-feira (13), com a presença de convidados brasileiros que testemunharam os atentados na capital francesa.

O arquiteto brasileiro Guilherme Pianca visitava Paris pela primeira vez quando ocorreram os atentados de 13 de novembro de 2015. Hoje ele conta que tem sentimentos ambíguos em relação à cidade.
O arquiteto brasileiro Guilherme Pianca visitava Paris pela primeira vez quando ocorreram os atentados de 13 de novembro de 2015. Hoje ele conta que tem sentimentos ambíguos em relação à cidade. © Beatriz Cyrineo
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Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris

No dia dos atentados, o arquiteto brasileiro Guilherme Pianca jantava com amigos no restaurante Le Petit Cambodge, um dos locais atacados pelos comandos terroristas. Ele visitava Paris pela primeira vez, graças a uma bolsa de estudos, e conta que hoje em dia tem sentimentos ambíguos em relação à cidade.

“Em 2015, eu estava viajando com um amigo que foi baleado no atentado. Tínhamos visto muito pouco da cidade e havia todo um planejamento. Eu tinha uma bolsa da Pró-Reitoria da USP para pesquisa e ia ficar um tempo visitando acervos e depois participar de um congresso. Não consegui fazer quase nada do que estava planejado, por motivos óbvios”, disse em entrevista por telefone.

Guilherme Pianca já voltou à França outras vezes, para depor nas investigações e para participar de eventos que a prefeitura organiza todos os anos para marcar a data. Desta vez, ele deverá estar presente à cerimônia do 10º aniversário, que será realizada na praça Saint-Gervais, onde será inaugurado o memorial às vítimas dos ataques de 13 de novembro de 2015, na presença da prefeita Anne Hidalgo e do presidente Emmanuel Macron.

“Estou um pouco ansioso. Mas é muito bom poder reconstituir essa parte da minha vida”, diz o brasileiro, que já veio a Paris em 2018 para fazer um exame psiquiátrico proposto pelas autoridades e, em 2022, após a pandemia, numa das cerimônias públicas. “É a chance de revisitar uma cidade que conheci de um jeito muito inóspito. Ninguém imagina, afinal, no terceiro dia de uma viagem, sobreviver a um atentado”, acrescenta.

“O trauma está sendo constantemente elaborado. Acho que é uma coisa que se dá no longo prazo, são várias camadas. Mas reconheço que existe um esforço bem grande da prefeitura e do próprio Estado francês em lidar com esse assunto”, avalia.

Homenagens às vítimas dos atentados terroristas de Paris, em 2015.
Homenagens às vítimas dos atentados terroristas de Paris, em 2015. © Frank Augstein / AP Photo

Lembranças de uma noite trágica

Em 13 de novembro de 2015, Guilherme Pianca estava com amigos no terraço do restaurante quando começou o tiroteio. “Não deu para entender muito bem o que era. Todo mundo se abaixou e eu consegui sair engatinhando e fui me arrastando até um supermercado”, conta. “Quando saímos, já havia muitas pessoas no chão, gritaria, pessoas muito assustadas”, continua. “No nosso grupo de oito, duas pessoas foram alvejadas. Elas sobreviveram, mas até serem encaminhadas para o hospital, foram momentos de grande tensão. Sem falar nos mortos naquela esquina. Foi bem extremo”, diz.

“Uma amiga foi atingida na mão e a bala atravessou perto do tórax, e o amigo com quem eu estava viajando foi perfurado e teve que tirar um pedaço do pulmão. Ele levou também um tiro na perna que o deixou com dificuldades de movimento por meses. Escapou por um triz mesmo. Foi uma loucura”, lembra Guilherme.

Perguntado sobre o que mudou em sua vida depois do atentado, ele diz que procurou estar mais perto de quem ama.

“Existe uma valorização maior do que é bom. Fiquei mais atento em estar próximo de amigos e da família”, continua.

“No ano passado, finalmente voltei para a vida acadêmica. Entrei no doutorado, mas com outro tema. Enfim, sinto que as coisas voltam aos trilhos, mas com um desvio. Não tenho o sentimento de vida interrompida, acho que houve só um desvio.” O brasileiro envia uma mensagem aos franceses nesse momento de luto nacional: “Procurar ser tolerante, amoroso, educado. Perseverar em valores humanistas e estar sempre se reconstruindo”.

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