Saúde em dia

"É preciso fazer o luto da vida de antes da epidemia", diz psicóloga francesa

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"Quando é que isso vai acabar?". Esta é uma das frases ouvidas com mais frequência desde o início da epidemia de Covid-19, em 2020. Muitos nutriam a esperança de que a crise sanitária seria um episódio de duração limitada. Quase dois anos depois, essa pergunta continua sem resposta. As ondas se sucedem, novas variantes aparecem e o otimismo cedeu ao conformismo. As vacinas se revelaram limitadas no controle das infecções e a máscara se tornou um acessório perene.

O prolongamento da situação epidêmica gera um sentimento de ansiedade generalizada nos adultos.
O prolongamento da situação epidêmica gera um sentimento de ansiedade generalizada nos adultos. Getty image/ Diamond Sky Images
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Taíssa Stivanin, da RFI

Nesse contexto, a chamada “fadiga da pandemia” passou a integrar o cotidiano da população mundial. O termo é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma “angústia desencadeada por uma adversidade que progride ao longo do tempo, gerada por certas emoções, experiências e percepções”.

Ela se caracteriza por sintomas como dificuldade de concentração, problemas de sono e o esgotamento físico e mental, gerado pela vigilância constante que exige a situação sanitária e as restrições sociais que ela provoca: home-office, escolas fechadas e outras mudanças que alteraram completamente o modo de vida de boa parte da sociedade.

A estimativa é que a fadiga pandêmica afete 60% da população submetida ao isolamento e atinja principalmente pessoas sozinhas, como jovens estudantes que vivem longe da família, por exemplo, ou pessoas idosas. Para a psicóloga francesa Aline Nativel, que conversou com a RFI, a população em geral se adaptou à situação imposta pela pandemia, mas, ao mesmo tempo, há dificuldades em se projetar positivamente no futuro.

Quase dois anos depois do início da pandemia, a população mundial ainda não sabe por quanto tempo deverá conviver com as regras impostas pela Covid-19.
Quase dois anos depois do início da pandemia, a população mundial ainda não sabe por quanto tempo deverá conviver com as regras impostas pela Covid-19. REUTERS - KIM KYUNG-HOON

“Quanto mais tempo dura a epidemia, maior é o cansaço. A questão é que o ser humano precisa se motivar e se posicionar baseando-se em elementos positivos de sua vida. Em certos momentos, acreditamos que a epidemia tivesse chegando ao fim, mas aí veio uma nova variante, um novo protocolo e novas diretivas", ressalta. "Isso faz com que a gente mergulhe novamente em um mundo desconhecido, apesar de sermos capazes de gerenciar certos parâmetros. Mas, mesmo assim, continua sendo difícil se projetar de maneira positiva a longo prazo, de maneira concreta. Sempre há novos elementos que nos fazem mergulhar em uma forma de angústia”, explica.

Como enfrentar essa situação e preservar a saúde mental? Uma das estratégias, diz a psicóloga francesa, é continuar fazendo projetos, mesmo que não seja simples.

“Há uma grande adaptação, de forma geral, mas começa a surgir um cansaço psicológico em relação ao caráter interminável da crise. Uma espécie de adaptação em relação ao fato que a vida de antes, infelizmente, não existirá mais da maneira como nós conhecíamos. E uma das forças do ser humano é essa capacidade de adaptação. A vida continua. Não devemos entregar os pontos e precisamos continuar nos adaptando da melhor maneira possível.”

Homem faz teste de antígeno em frente a uma farmácia perto do Arco do Triunfo, em Paris.
Homem faz teste de antígeno em frente a uma farmácia perto do Arco do Triunfo, em Paris. AP - Michel Euler

Mundo de incertezas 

Atualmente, diz Aline Nativel, é necessário aceitar viver em um mundo de incertezas sanitárias, que impactam nosso cotidiano. “É como se tivéssemos que fazer o luto da vida de antes, o que pode ser mais ou menos complicado em função do indivíduo e de sua situação”, declara. 

Ela lembra, que antes da epidemia, havia um sentimento geral de que o homem dominava, através da ciência, o comportamento da natureza. A emergência do coronavírus mostrou o contrário. Muitas pessoas têm dificuldade em gerenciar essa questão e se habituar à ideia de que é preciso conviver com ameaça do SARS-CoV-2 e com o aparecimento de novas variantes. Nem todas as pessoas possuem também os mesmos recursos internos para enfrentar essa situação, lembra a psicóloga. 

Para ela, os adolescentes e jovens adultos são os que mais sofrem no contexto atual. As incertezas envolvem principalmente o futuro profissional e a dinâmica social. As crianças, afirma a especialista, se adaptaram rapidamente. Para elas, a epidemia trouxe até mesmo efeitos positivos, explica. “Percebemos que as crianças têm uma grande capacidade de adaptação, o que pode mudar a imagem da psicologia infantil. Elas são muito resilientes e capazes de aceitar as novidades em comparação aos adultos”, observa.

Epidemia ainda fará parte da vida da população mundial por vários anos.
Epidemia ainda fará parte da vida da população mundial por vários anos. AP - Michel Euler

Segundo a psicóloga, a situação epidêmica também pode desenvolver uma forte empatia social nas crianças. “Tomando cuidado comigo mesmo, também recordo que tenho que tomar cuidado com os outros. Então são crianças que tendem a ser mais gentis em relação aos outros”, afirma. Outros efeitos positivos da epidemia, lembra, são a conscientização coletiva da importância da saúde mental e da vida em sociedade. Isso contribuirá, acredita, para que essas crianças desenvolvam mais empatia e estejam mais voltadas, no futuro, para preocupações sociais.

Em suas consultas, Aline Nativel observa que muitos de seus pacientes se conscientizaram da importância do próprio bem-estar físico, mas também da saúde dos pais, dos avós e dos amigos, por exemplo, e de que há situações que não podem ser controladas. Já entre os adultos, o estado atual é de ansiedade generalizada, motivada por um estado de alerta permanente. O conselho dela é viver o presente, sem tentar antecipar o futuro. “A crise sanitária deverá nos ajudar a viver um dia após o outro.”

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