Saúde em dia

Medicina integrativa: quando o primeiro remédio para o paciente é o acolhimento

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Uma ciência humana ou técnica? Tênue parece ser a linha que divide os avanços científicos e um atendimento mais humanizado dentro da medicina. A França, um país com 68 milhões de habitantes, soma 400 milhões de consultas médicas por ano. Em mais de 90% dos casos há a prescrição de medicamentos, em que apenas a metade é utilizada. A outra metade, desperdiçada, representa € 7 bilhões jogados fora todos os anos.

A França, um país com 68 milhões de habitantes, soma 400 milhões de consultas médicas por ano (Imagem ilustrativa).
A França, um país com 68 milhões de habitantes, soma 400 milhões de consultas médicas por ano (Imagem ilustrativa). Getty Images - SDI Productions
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Caroline Paré e Ophélie Lahccen, da RFI

Esses números levam à reflexão sobre o verdadeiro conceito de “boa saúde”, em que, além dos cuidados com o corpo, também devem ser contemplados o lado social e mental, o bem-estar sexual e emocional, em que o cuidado começa pelo diálogo.

Repensar tratamentos mais humanizados é a bandeira do oncologista francês Alain Toledano, fundador do primeiro centro de medicina integrativa e gratuita da Europa, o Institut Rafaël.

“A medicina é todo o conhecimento que se propõe a aliviar, prevenir e tratar feridas e doenças. Ou seja, com palavras podemos curar e com palavras podemos matar. E a medicina tem sido confundida com o progresso técnico, então essa palavra integradora nos interessa porque passamos o tempo sendo especialistas, diferenciando, classificando. A integração é uma visão que consiste em sintetizar, coordenar, aproximar”, ele conceitua.

“E o que vamos integrar na medicina?”, se pergunta Toledano. “Emoção, atividade física, bem-estar, sexualidade. A medicina integrativa vai se apropriar do que há de melhor na chamada medicina convencional e na medicina complementar e focar no paciente”, ele mesmo responde.

Em sua opinião, é preciso haver um compromisso moral de considerar todas as abordagens que possem aliviar o paciente. “Nosso objetivo é passar de uma medicina centrada na doença para uma medicina centrada no indivíduo e no seu projeto de vida”, ele sintetiza.

“Pelo menos 90 segundos para se expressar uma emoção”

Nesta evolução da medicina prescritiva para a medicina integrativa, uma primeira mudança de paradigma é o tempo dedicado a ouvir o paciente, quando será estabelecida a relação de confiança com o médico.

“Precisa-se de pelo menos 90 segundos para se expressar uma emoção simples. E a verdade é que o paciente é interrompido em sua fala, em média, após 23 segundos [de consulta]”, cronometra o médico francês. “Com isso, as consultas já começam com um sentimento de frustração. O paciente tem a impressão de ser ‘coisificado’ quando fala dos problemas do seu corpo e, acaba por guardar os problemas de sua alma. Essa dissociação faz com que os eles se sintam desconfortáveis”, ele garante.

Neste aspecto, Toledano é enfático: “O primeiro remédio para uma pessoa doente é uma recepção acolhedora”.

“Apoio pode amenizar a dor e o estresse”

A jovem Isabelle é uma das pacientes atendidas no Institut Rafaël, e ela enfatiza como um tratamento humanizado, individualizado, mudou sua experiência no tratamento do seu câncer.

“Há muitos efeitos colaterais bem desagradáveis, e você passa a aprender como conviver com isso. Aqui [no instituto] eu faço atividades físicas adaptadas, osteopatia, terapia floral para esses efeitos colaterais”, ela descreve. “Eu não encontrei isso em outros lugares onde me tratei, isso de ser ouvida. Aqui os profissionais passam mais tempo com você”, compara Isabelle.

Um atendimento humanizado, desta vez em um hospital de Dacar, capital do Senegal, também mudou completamente a experiência de Noelia no momento do parto. “Eu fui muito bem recebida por duas médicas do hospital, e foi mantido um relacionamento com elas desde então. O parto não foi fácil, eu sentia muita dor, chorava, mas elas me ajudaram, me ajudaram muito, com palavras doces, pequenas massagens nas pernas, na minha coluna”, ela lembra.

Noelia conta que o tratamento diferenciado criou um vínculo que ela preserva até hoje com as médicas, que “sempre têm notícias do seu filho”. “O apoio que recebemos de cuidadores, médicos, é algo que pode amenizar a dor e o estresse durante o parto. Isso me ajudou muito”, acrescenta.

Atendimento humanizado x precariedade

O atendimento humanizado pode se tornar também uma solução para compensar a falta de recursos em alguns sistemas de saúde que operam com precariedade.

“Há famílias que se deslocam por 500 km para vir a Ouagadougou [em Burkina Faso] para nos ver, então tentamos ser o mais humanos possível. Utilizo uma linguagem simples e clara, bastante compreensível. Eu sinto empatia por esses pacientes, eu me coloco no lugar deles. Eu acho que é um fator que ajuda os pacientes a terem confiança”, avalia Adama Sawadogo, cirurgião cardiovascular e do tórax no Hospital Universitário de Ouagadougou.

Ele conta que, ao final de cada consulta, refaz um resumo, eu explicando a doença de forma simples para o paciente. “Explico a evolução e as complicações, se não houver tratamento. E, claro, se vamos operar, as principais etapas da cirurgia e também os resultados que já obtivemos em pacientes que foram operados para a mesma patologia. (...) Mas os relatos dos pacientes nos mostram que outros médicos não têm o mesmo princípio”, lamenta Sawadogo.

Mas para quem escolhe a medicina mais humanizada, os resultados podem ser vistos a olhos nus. Dr. Toledano, do Institut Rafaël, conta que, em 4 anos, a medicina integrativa aplicada em seu centro de saúde garantiu uma queda de 60% dos casos de depressão entre os pacientes, além de uma grande redução do sentimento de isolamento, de problemas digestivos, distúrbios do sono, que interferem diretamente na cura e no bem-estar destas pessoas.

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