Um pulo em Paris

Enquanto banho no Sena faz sucesso, França registra mais de 100 mortes por afogamento em um mês

Publicado em:

Com o calor que está fazendo na França neste verão, lagos e rios são cada vez mais procurados pelos franceses para se refrescar. A prefeitura de Paris divulgou os primeiros dados sobre o número de banhistas no rio Sena, uma forma de adaptar a cidade para as altas temperaturas. Porém, ao mesmo tempo em que os termômetros sobem, entre os meses de junho e julho houve um aumento de 58% no número de mortes por afogamentos no país, em relação ao mesmo período de 2024. Pela lei, na França os prefeitos são responsáveis pelo que acontece em locais para banho e estão na linha de frente de uma questão primordial diante das mudanças climáticas. 

Nadadores aproveitaram o Sena no dia da inauguração da piscina em frente à Torre Eiffel, em Paris, em 5 de julho de 2025. Este é um dos três locais autorizados para banho na capital francesa.
Nadadores aproveitaram o Sena no dia da inauguração da piscina em frente à Torre Eiffel, em Paris, em 5 de julho de 2025. Este é um dos três locais autorizados para banho na capital francesa. AFP - JULIEN DE ROSA
Publicidade

Maria Paula Carvalho, de Paris  

Em Paris, o mergulho no rio Sena vem sendo um sucesso de público entre moradores e visitantes que têm aproveitado essa praia típica parisiense. A capital francesa tem dado exemplo ao cumprir a promessa de reabrir neste verão, depois de 100 anos de interdição, três piscinas fluviais ao ar livre. Elas estão localizadas no cais de Grenelle, perto da Torre Eiffel, no Bras Marie, ao lado da prefeitura, no centro, e no cais de Bercy, no noroeste da cidade. 

Todas tem entrada gratuita e funcionam em horários que variam das 8h às 21 horas. Desde 5 de julho, quase 20.000 pessoas já aproveitaram o mergulho no Sena. Esses espaços são delimitados por boias e circundados por decks com escadas para o acesso dos banhistas, que são obrigados a usar um flutuador. Há áreas para se trocar, guardar pertences, banheiros e até chuveiros. 

Cada pessoa pode nadar em média 1h, mas não há um controle rigoroso desse tempo. A rotatividade é grande. Até o momento, os parisienses e visitantes têm demonstrado muita satisfação de reencontrar o seu rio, descontrair na beira d'água e aproveitar os dias de calor, já que nessa época do ano escurece tarde em Paris.  

Só nos dias 12 e 14 de julho, 12.354 banhistas passaram por esses locais. O mais procurado foi o cais Bercy (com capacidade para 700 pessoas por vez) onde 6.683 pessoas foram se refrescar, seguido pela piscina natural do Hôtel de Ville, no centro da cidade (capacidade de 150 pessoas), onde 3.065 banhistas mergulharam, e o cais de Grenelle, com vista para a torre Eiffel, com capacidade para 200 pessoas, procurado por 2.606 pessoas no último fim de semana.  

Segundo um comunicado da prefeitura de Paris, "este sucesso popular reflete o desejo dos habitantes por espaços de convivência abertos, compartilhados e tranquilos". As autoridades locais destacam um "grande passo à frente para o bem-estar dos moradores". Nadar no Sena era proibido desde 1923, e esse foi um dos legados dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris 2024. 

Mais de € 1,4 bilhão foram investidos para melhorar a qualidade da água, com obras de drenagem, o equivalente a mais de R$ 9 bilhões.

Para entrar no rio sena, banhistas precisam saber nadar e usar bóias.
Para entrar no rio sena, banhistas precisam saber nadar e usar bóias. REUTERS - Abdul Saboor

Controle rigoroso da qualidade da água 

De acordo com a prefeitura, as análises da qualidade microbiológica água são feitas três vezes por dia. O monitoramento utiliza dois indicadores para bactérias: Escherichia coli e enterococos, cuja presença pode sinalizar germes patogênicos. O cumprimento desses critérios determinará diariamente se é permitido nadar no Sena. Além das análises da água, a prefeitura de Paris também adota monitora as instalações ao redor dos cais, onde as pessoas tomam banho de sol. 

Uma das medidas que permitiram a melhoria da qualidade da água do Sena foi a construção de um reservatório subterrâneo de 50.000 m3 para acumular águas pluviais e usadas (banheiros, cozinhas, etc.) e impedir que elas sejam despejadas no Sena. A obra demorou três anos para ficar pronta e foi inaugurada em maio de 2024, pouco antes dos Jogos Olímpicos. Com isso, apenas em caso de temporais pode haver despejo de águas usadas no rio e, nesses períodos, os locais para banho são sistematicamente fechados.  

Uma das evidências da melhoria da qualidade da água do Sena é o aumento da quantidade de peixes encontrados: 34 espécies atualmente. Isso representa um número significativamente maior do que há quarenta anos, quando apenas duas espécies viviam no rio parisiense. 

O banho de rio no Sena está liberado até o dia 31 de agosto e sob supervisão.
O banho de rio no Sena está liberado até o dia 31 de agosto e sob supervisão. AFP - JULIEN DE ROSA

Mortes em locais não supervisionados preocupam prefeitos 

Porém, se no rio Sena há salva-vidas de plantão, o banho não é supervisionado em todos os rios e lagos da França. E o resultado é o número expressivo de 109 mortes por afogamento em um mês no país, de um total de 400 casos registrados no período, segundo um boletim da Saúde Pública da França. O número inclui crianças que se afogaram em piscinas particulares, mas a maior parte das mortes é de adolescentes que mergulharam em riachos ou lagos não supervisionados. Já entre os adultos, a maioria das mortes ocorreu no mar. 

Entre as vítimas, há muitos casos de pessoas que se arriscaram em locais proibidos para banho. Recentemente, um jogador de futebol de uma associação esportiva, ao norte de Paris, foi mergulhar em um lago municipal onde o banho não é permitido. Ele teve uma cãibra e chegou a pedir ajuda antes de se afogar. Os bombeiros encontraram o seu corpo, duas horas depois.  

Tragédias como essa se multiplicam nessa época de altas temperaturas. E os prefeitos estão na linha de frente, já que além de lamentar a morte de seus cidadãos, eles podem ser responsabilizados. De acordo com o Código Geral das Coletividades Territoriais da França (CGCT), o prefeito exerce o poder de polícia nas atividades náuticas e de mergulho e tem a prerrogativa de regulamentar e controlar essas práticas. E mesmo que seja em um local com aviso de interdição, o prefeito ainda pode ser responsabilizado se ficar claro que ele não tomou medidas necessárias para impedir o acidente.  

O que normalmente acontece, é que as prefeituras delimitam áreas próprias para banho, com salva-vidas, durante períodos definidos. E fora deles, o mergulho é por conta e risco do banhista. Como não é possível cercar todos os espelhos d'água das cidades, que podem estar localizados em praças públicas ou áreas de reservas naturais, as prefeituras dizem que é melhor prevenir do que remediar. Dessa forma, muitas preferem não liberar o banho para evitar riscos, já que há pessoas imprudentes. Essa questão ganha destaque quando o banho em rios e lagos pode ser uma alternativa e uma forma de adaptação das cidades ao calor acentuado pelas mudanças climáticas. 

As autoridades aconselham a respeitar a sinalização, não deixar menores desacompanhados em locais para banho e não consumir bebidas alcóolicas antes de mergulhar. Outra recomendação é ensinar as crianças a nadarem o quanto antes. 

Natação faz parte do ensino fundamental na França 

A natação é levada a sério na França, fazendo parte do currículo escolar. Há piscinas públicas por todos os lados e só em Paris são 42, abertas o ano todo, com horários para estudantes e entradas que custam em média € 2 para o público, cerca de R$ 12. 

A primeira piscina pública na cidade foi aberta em 1785, justamente no rio Sena. E nessa mesma época, começou a aprendizagem da natação. Ou seja, ao retomar o mergulho no Sena, Paris volta a ter uma prática que já foi corrente no passado. As primeiras piscinas escavadas passaram a ser construídas na capital francesa entre 1870 e 1880.  

Houve períodos, porém, em que a natação deixou de ser praticada, pois acreditava-se que favorecia o desenvolvimento de epidemias. A história das piscinas no continente europeu é, antes de tudo, a dos banhos públicos e termas, dedicados também à purificação e à limpeza do corpo.  

A natação é considerada um dos esportes mais nobres em uma Olimpíada, depois do atletismo. Nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, um jovem francês de 22 anos deixou sua marca na história do esporte. Léon Marchand brilhou em todas as provas em que participou, conquistou 4 ouros e 1 bronze, e quebrou quatro recordes olímpicos, conquistando a simpatia do público. O ídolo se tornou um incentivo a mais para a natação na França.

O nadador francês Léon Marchand, de 22 anos, conquistou cinco medalhas nos Jogos Olímpicos de Paris: quatro de ouro e uma de bronze.
O nadador francês Léon Marchand, de 22 anos, conquistou cinco medalhas nos Jogos Olímpicos de Paris: quatro de ouro e uma de bronze. AP - Natacha Pisarenko

Para o Ministério da Educação francês, ensinar as crianças a nadar é uma responsabilidade do Estado. E mesmo para os adultos, nunca é tarde para aprender e poder aproveitar os banhos neste verão.

Após o sucesso dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, nadar no rio Sena é um dos legados para a cidade e traz um grande desafio e um compromisso: garantir um rigoroso monitoramento diário para decidir se as áreas de banho serão abertas ou não. 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios