Peça de diretor africano é grito de protesto em Avignon
O congolês Dieudonné Niangouna, diretor, ator e autor de teatro, apresenta no Festival de Avignon, Shéda, um espetáculo que dura 5 horas, encenado ao ar livre numa paisagem desértica a 30 quilômetros de Avignon. A peça trata do sofrimento do continente africano e critica o mundo dito civilizado.
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Assistir o espetaculo Shéda, de Dieudonné Niangouna é uma viagem que começa no inicio da noite, quando os espectadores pegam um ônibus para se dirigir a um dos palcos mais insólitos desse festival : a Carrière de Boulbon, uma pedreira escondida entre arbustos, a 30 quilômetros de Avignon. É nesse local, escutando o canto das cigarras, que assistimos uma verdadeira epopeia, com duração de quase cinco horas.
« Faroeste africano »
O diretor congolês, um dos destaques esse ano do festival, explora a paisagem desértica, típica da região de Provence no sul da França, para criar o cenário do espetáculo. A trama se passa num vilarejo qualquer da Africa, onde se encontram refugiados de todos os horizontes : vitimas da seca, soldados, guerrilheiros, prostitutas, sobreviventes…Uma terra de ninguém, um « faroeste africano » como esta peça foi chamada por alguns criticos. Aliás, no texto há muitas referências aos clássicos do cinema americano.
O espetáculo é pontuado pela música de dois instrumentistas em cena, que dão ritmo a ação de 12 atores e atrizes (entre esses o próprio Dieudonné). A peça é um um grito de protesto do diretor que vem do Congo, país que viveu 25 anos de guerra civil.
Shéda é também uma bela homenagem aos mitos e à sabedoria africana. Mas através dessa paródia de um vilarejo perdido no deserto, a peça é principalmente uma critica ao mundo dito civilizado que continua explorando o continente africano.
« A Cólera da África »
Para Dieudonné tres palavras sintetizam o espetáculo e a situação atual da África : « medo, solidão e urgência ». O autor traz à sua maneira para Avignon esse ano a « Cólera da África » que é, aliás, o título de sua primeira peça escrita em 1997. Não poupando referências à cultura ocidental, ele insiste, em todas as entrevistas dadas aqui em Avignon, que recusa a etiqueta de « autor africano » e o estigma de « curiosidade étnica ».
Rompendo barreiras culturais, o dramaturgo coloca em cena personagens em situações de perigo, personalidades « border line », mas não descarta o sonho, o único elemento que, segundo ele, permite que se aborde o futuro. Em suas peças, diz ele, “cada personagem tem direito a um futuro, mesmo passando pelos pesadelos”.
Com essa peça, Dieudonné Niangouna busca desestabilizar o espectador ao longo de 5 horas de diálogos densos entre os personagens, num cenário com clima de fim de mundo. Como bem avisou o diretor africano : « Meu trabalho procura emocionar e não simplesmente agradar ».
Shéda fica em cartaz no Festival de Avignon até 15 julho e em outubro inicia uma tournée internacional.
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