França: Elisabeth Moreno diz que “impunidade tem de parar”
Esta terça-feira, o Parlamento francês deve adoptar uma nova lei para a protecção das vítimas de violência doméstica. A ministra franco-cabo-verdiana para a Igualdade de Género, Elisabeth Moreno, aponta como prioridade do seu mandato a luta contra os assassínios de mulheres. “A impunidade tem de parar”, alerta.
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Elisabeth Moreno, a ministra franco-cabo-verdiana para a Igualdade de Género, “não tem papas na língua”, de acordo com o jornal Le Parisien. Em entrevista ao diário, no domingo, a ministra mostrou-se determinada a lutar contra a violência doméstica e os assassínios de mulheres.
A entrevista surge numa altura em que continuam os protestos e tribunas contra as nomeações de Gérald Darmanin para ministro do Interior e de Eric Dupond-Moretti para ministro da Justiça - o primeiro acusado de violação e o segundo conhecido pelas tomadas de posição contra os movimentos #metoo e #balancetonporc.
A ministra é uma “self-made-woman até então dirigente de uma gigante da informática e agora catapultada para a política”, descreve o jornal Le Parisien. O diário acrescenta que Elisabeth Moreno, de 49 anos, que se define como “franco-africana”, é filha de um operário e de uma empregada doméstica e “incarna a promessa republicana”.
“Sempre me disseram o que deveria estudar, com quem deveria casar, com quem deveria sair, onde deveria morar... Fiz outras escolhas (...) Decidam, vocês também, o que querem fazer da vossa vida. Agarrem-se às vossas ambições! Sou a prova que nem tudo é comandado pelo sistema!”, exclamou Elisabeth Moreno.
O convite para fazer parte do Governo chegou no dia da independência de Cabo Verde e ela faz questão de o sublinhar: “Tenho a sorte de ter três culturas. Sou africana porque nasci em Cabo Verde. Sou francesa porque passei aqui a minha vida toda. E sou europeia porque acredito na Europa. No domingo, 5 de Julho, eram os 45 anos da festa da independência de Cabo Verde. Nesse dia tive o telefonema do primeiro-ministro francês que me convidava para entrar no governo.”
A reacção foi de justiça cumprida: “Pensei nesta vida de emigrante que tive, pensei nos sacrifícios dos meus pais, pensei nas humilhações, pensei nas injustiças. Sou a mais velha de seis irmãos e sempre tomei conta deles. Eu era a segunda mamã da família porque a minha mãe tinha três empregos e o meu pai também trabalhava muito. Olhei para a minha vida e disse simplesmente Obrigada.”
Sobre o ministro Gérald Darmanin, visado por uma queixa de violação, Elisabeth Moreno relembra a presunção de inocência e promete que não vai abandonar as vítimas de violência sexual. A ministra contou que falou com ele, numa conversa “de mulher para homem”: “Disse-lhe: ‘Temos de falar porque estamos na mesma equipa. A tua história vai ser um fardo para mim, tens de me explicar o que se passou.’ E o que ele me disse faz-me acreditar nele. Agora, eu também estou do lado das pessoas pelas quais sou responsável, as mulheres, e se ele me tiver mentido, assumirei todas as consequências.”
Sobre o ministro Eric Dupond-Moretti, conhecido pelas suas tomadas de posição anti-feministas, Elisabeth Moreno admitiu que o abordou para lhe dizer: “Vou ser uma pedra no teu sapato. Nenhuma vítima vai ser impedida de avançar.”
Elisabeth Moreno diz também ter sido vítima de discriminações no universo profissional das tecnologias, onde apenas existem 30% de mulheres. “Pensei, como muitas, que eles tinham mais que fazer do que tratar da minha queixa, que vão dizer que exagero, que ele nunca me quis dizer aquilo... Acabei por apresentar queixa, mas não houve consequências. É por isso que me comprometo. A impunidade tem de parar.”
Sobre os meios de que dispõe no ministério para lutar contra os diferentes tipos de violência sobre as mulheres, Elisabeth Moreno declarou que avisou o Presidente Emmanuel Macron e o primeiro-ministro que apenas entrava no governo se lhe dessem os meios para alcançar os seus objectivos. “Sou empresária, sei que se não tiver meios não posso fazer nada. Não vim para o governo fazer croché. Estamos a falar de vidas humanas.”
A ministra prometeu que "o número de mulheres assassinadas vai diminuir ”. “Quero que as mulheres possam escolher entre ficar ou sair de casa se houver violência doméstica. Se quiserem ficar, os seus carrascos têm de sair (...) Pouco me importa que haja uma lei Moreno. O que eu quero é que os feminicídios passem dos actuais 170 para 10 por ano. Então, poderei morrer tranquila.”
A ministra defendeu ainda o prolongamento, em França, da licença de paternidade de 11 dias para um mês porque “o homem e a mulher têm de dividir tarefas em casa”.
Quatro anos após a morte de Adama Traoré, que se tornou no símbolo das violências policiais e racistas em França, Elisabeth Moreno disse compreender o sofrimento desta família e a mobilização popular, mas afirmou que viveu na África do Sul e que sabe “o que é um Estado que foi racista, com o Apartheid”. “Por isso, insurjo-me contra os que dizem que a França é racista ou que a polícia o é. Pode haver pessoas racistas, mas isso é outra coisa.”
Questionada, ainda, se não tem medo de ser usada como símbolo da “diversidade” no governo - por ser negra e oriunda de um meio humilde - a ministra respondeu, simplesmente: “Tenho cara de poder ser usada?”
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