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Oiapoque : Guiana Francesa libera travessia pela ponte que liga França e Brasil

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As autoridades da Guiana Francesa divulgaram neste sábado (18) um decreto no qual liberam a circulação de pessoas na Ponte Binacional, única ligação terrestre entre o território ultramarino francês e o Brasil. A ponte estava fechada desde o início da pandemia de Covid-19.

Ponte Binacional vista da margem francesa do rio Oiapoque.
Ponte Binacional vista da margem francesa do rio Oiapoque. © Silvano Mendes / RFI
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Silvano Mendes, enviado especial a Saint-Georges de l'Oyapock

A medida era esperada e há dias suscitava rumores. Nas ruas de Saint-Georges de l'Oyapock, no lado francês da fronteira, o assunto estava em todas as rodas de conversa. Todos tinham um palpite sobre a abertura ou não da Ponte Binacional. Mesmo assim, muita gente se surpreendeu quando um decreto assinado por Thierry Queffelec, o prefeito da Guiana Francesa (cargo equivalente ao de um governador no Brasil), foi divulgado em pleno fim de semana.

Segundo o texto, a partir de agora a travessia passa a ser novamente possível por via terrestre, pela Ponte Binacional. No entanto, os viajantes de mais de 12 anos terão que provar que foram vacinados contra a Covid-19 ou apresentar um teste de Covid-19 com resultado negativo, realizado nas últimas 48 horas. O decreto explica ainda que, caso o viajante não responda a esses critérios, mas que apresente um motivo "imperativo", a travessia também é possível se a pessoa aceitar ser testada ao chegar no seu destino, além de cumprir um período de isolamento de sete dias, seguido de um novo teste. 

As medidas anunciadas no decreto devem facilitar a vida dos que vivem na Guiana Francesa e que costumavam fazer a travessia de carro, tanto para fazer compras como para seguir viagem para outras regiões do Brasil. Mas também representa um novo fôlego para os moradores de Oiapoque, do lado brasileiro, onde o comércio vivia principalmente dos euros gastos pelos viajantes provenientes do outro lado da fronteira.

“A economia do Estado do Amapá vai dar um pulo muito grande. Com a abertura, todo mundo sai ganhando”, resume o representante associativo José Gomes, que atua dos dois lados rio Oiapoque em ações sociais junto a famílias vulneráveis. “Esta noite todos estão celebrando. Pode ter certeza que a partir de segunda-feira (20) vai ter uma fila gigantesca de carros para atravessar a ponte”, prevê.

O representante associativo José Gomes atua nos dois lados do rio Oiapoque.
O representante associativo José Gomes atua nos dois lados do rio Oiapoque. © Silvano Mendes / RFI

A novela da Ponte Binacional

A reabertura é apenas mais um episódio na novela em torno da Ponte Binacional, projeto que levou 20 anos para sair do papel antes de ser inaugurado, em 2017, com a ambição tirar o norte do Brasil do isolamento por via terrestre. E, de tabela, abrir uma porta direta do país com a União Europeia, já que a Guiana Francesa é um território ultramarino da França. Mas para os moradores transfronteiriços, o decreto não representa uma mudança radical, já que a travessia entre a Guiana Francesa e o Brasil sempre foi possível de maneira informal por meio de canoas, as chamadas catraias, que cruzam o rio Oiapoque por um punhado de reais muito antes da construção da ponte. 

Nem mesmo o contexto sanitário mudou essa situação. Se no início da pandemia a polícia tentou limitar a atividade dos barcos para conter a propagação do vírus, logo a circulação voltou a um ritmo quase normal.

“Para mim a pandemia não afetou em nada. Eu continuei trabalhando. As vezes fazemos cerca de dez travessias por dia”, relata Osvanil, um dos mais de 200 catraieros, a maioria brasileiros, que atuam nesse trecho do Oiapoque.  “Tem pessoas que moram lá, mas trabalham aqui. Tem alunos que moram do outro lado e estudam aqui. Então eles vêm pela manhã e voltam à tarde. E a gente passa o dia transportando esse povo”, disse à reportagem da RFI, na margem francesa do rio.

A travessia entre Saint-Georges e a cidade de Oiapoque leva cerca de 10 minutos nos barquinhos motorizados. Já para a Vila Vitória, pequeno bairro também no lado brasileiro, 4 minutos bastam para mudar de país.

Na imagem, feita na margem francesa do rio Oiapoque, é possivel ver ao fundo Vila Vitória, do lado brasileiro.
Na imagem, feita na margem francesa do rio Oiapoque, é possivel ver ao fundo Vila Vitória, do lado brasileiro. © Silvano Mendes / RFI

Durante a pandemia, o trajeto que custava R$ 20 subiu de preço e pode chegar a R$ 50, dependendo da cara do freguês. Uma inflação que, segundo Osvanil, se deve muito mais ao aumento da gasolina (no lado brasileiro) do que à pandemia.

Mas o preço não parece ser um problema, já que cruzar o rio faz parte da vida da população local. Basta ficar alguns minutos na beira do Oiapoque, do lado francês, para ver um desfile interminável de canoas carregando adultos e crianças, muita gente com sacolas e até malas, em um vai e vem ilegal, já que a oficialmente a fronteira estava fechada, mas totalmente tolerado.

"Eu moro nos dois lados"

“Eu atravesso todos os dias para trabalhar”, conta Deise, que vende açaí na feira de Saint-Georges. “Meus filhos estudam aqui também. Eu moro nos dois lados”, brinca a brasileira, que no passado também pilotava barcos. Ela era uma das únicas mulheres catraieiras no Oiapoque, mas decidiu mudar de atividade no momento em que as autoridades começaram a controlar a movimentação das canoas, no início da pandemia.  

Deise era catraieira no rio Oiapoque a agora vende açaí na feira de Saint-Georges, na Guiana Francesa.
Deise era catraieira no rio Oiapoque a agora vende açaí na feira de Saint-Georges, na Guiana Francesa. © Silvano Mendes / RFI

Ela temia pela reabertura da Ponte Binacional, assim como Osvanil, que já fazia os cálculos do impacto na atividade das canoas. “Se a ponte reabrir, vai afetar a vida da gente, pois dependemos disso aqui”, avalia o catraieiro. "Somos mais de 200, e cada um dos catraieiros representa uma família". 

Mas o representante associativo José Gomes é menos pessimista. “Com a abertura, todo mundo sai ganhando. Sempre vai ter gente que não vai poder atravessar pela ponte”, afirma, fazendo alusão ao fato que a verificação de documentos é rigorosa na viagem terrestre, enquanto que nos barcos os controles são bem mais raros.

Dessa forma, com ou sem pandemia, para muitos que estão em situação ilegal, entre eles boa parte dos garimpeiros que atuam nos cerca de 400 acampamentos clandestinos nas florestas da Guiana Francesa, a única maneira de cruzar essa fronteira amazônica entre o Brasil e a França continua sendo a travessia fluvial pelo Oiapoque.

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