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Violonista brasileiro Fabricio Mattos prepara novos projetos inovadores em Londres

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No competitivo mercado da música clássica, não há muito espaço para ousadia. Quem quer se destacar precisa seguir os cânones e trilhar os mesmos caminhos percorridos por gerações de profissionais há séculos. Não há escapatória. Mas o violonista brasileiro Fabricio Mattos tem conseguido investir em rotas alternativas. Ele acaba de se tornar doutor pela prestigiosa Royal Academy of Music de Londres, o primeiro latino-americano a conseguir o feito, e o primeiro violonista do mundo.

Fabricio Mattos, primeiro violonista latino-americano a obter doutorado na Royal Academy of Music de Londres.
Fabricio Mattos, primeiro violonista latino-americano a obter doutorado na Royal Academy of Music de Londres. © Vivian Oswald / RFI
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Vivian Oswald, correspondente da RFI em Londres

O projeto de pesquisa de Fabricio Mattos coloca em perspectiva o significado e a importância do palco para a experiência musical contemporânea. A posição do palco pode mudar totalmente a percepção da plateia, segundo ele, que já colocou um espelho entre músicos e público, que achava que o som dos instrumentos vinha da imagem refletida. De suas inquietações nascem os projetos.

"Tive experiências muito ruins em concursos, principalmente, envolvendo até certo preconceito. Na musica clássica ainda existe essa coisa muito rançosa", diz o violonista. Ele conta que ficou "muito mal" depois de passar por um concurso em Pisa, na Itália. "Aí resolvi que, ou eu cortava a minha unha, que no jargão violonístico é acabar a carreira, ou partia para uma outra complementamente diferente. Cheguei em casa e vi que tinha músicas dedicadas a mim e me disse: 'não posso parar agora!'".

A relação de Fabricio com a música começou por intermédio do pai, saxofonista, com quem ia tocar em bailes de Carnaval no interior do Paraná desde os 5 anos de idade.
A relação de Fabricio com a música começou por intermédio do pai, saxofonista, com quem ia tocar em bailes de Carnaval no interior do Paraná desde os 5 anos de idade. © Vivian Oswald / RFI

Foi assim que se lançou, em 2010, em um projeto musical diferente: o Worldwide Guitar Connections (WGC). A ideia era tocar pelo mundo o que não se via na seleção das casas de renome. O repertório combinava novas obras de compositores vivos, inovação, sustentabilidade e integração com o público. O WGC deu origem a uma longa turnê internacional, com obras de artistas de quatro continentes e a gravação de músicas contemporâneas. Fabricio é dos poucos profissionais que questionam velhos modelos batidos e tenta inovar.

A relação do brasileiro com a música começou por intermédio do pai, saxofonista, com quem ia tocar em bailes de Carnaval no interior do Paraná desde os 5 anos de idade. Se errasse o tempo, levava um safanão na cabeça. Se cansasse, dormia na caixa da bateria e usava o tamborim que tocava de travesseiro. Aos 8 anos, passou para a flauta e poucos anos mais tarde, para o violino, que tocava como violão para não incomodar os vizinhos. Foi aí que a mãe se deu conta de que o instrumento do filho era mesmo o violão.

No primeiro ano da Faculdade de Belas Artes em Curitiba já pensava em ir para Londres. Fabricio passou alguns anos fazendo concursos e juntando dinheiro. Vendeu tudo o que tinha para fazer seu mestrado na capital britânica, em 2008. Mal começara, trancou a matrícula depois de receber um convite para sair em turnê com o Sonora Brasil, o maior projeto do Sesc Nacional. E com ele rodou o Brasil inteiro com Salomão Habib, do Pará.

Remando contra a maré

Pouco tempo depois, Fabricio foi para a Itália e acabou investindo tudo no WGC. Produziu e encomendou obras, montou as próprias turnês. Foram quatro meses com os pés na estrada. Encomendava, estudava as obras, gravava e levava tudo em um pendrive, porque não tinha meios para carregar os CDs. Com a receita dos concertos, o projeto acabou se mostrando sustentável, embora o instrumentista admita que tenha sido algo incialmente muito ideológico no sentido de que parecia remar contra a maré.

"Foi uma coisa que eu fui contra o que muita gente falava. Que não se deve tocar só música contemporânea, só música nova porque o público não aceita e tudo mais. Tudo embaixo de um teto conceitual muito claro, muito bem estabelecido com os parceiros do projeto”, disse.

O box com os CDs do projeto WGC – que já saiu no Brasil – será lançado em outubro, em um concerto em Londres. Entre eles, destacam-se os da terceira temporada, “Heritage”, uma conversa entre o violão do século XIX e o do XX.

Para esta fase, o violonista encomendou de um luthier da Coreia um Stauffer, modelo emblemático produzido em Viena no século XIX para o qual muitas obras do chamado período de ouro do violão foram compostas. Ele tem as tradicionais cordas de tripa, porque não havia nylon na época. O diálogo viria das obras contemporâneas que pediu a compositores em resposta ao instrumento ou que o utilizassem como fonte de inspiração. Uma das bases do projeto está na colaboração, que vai contra a tendência competitiva da música.

Novo projeto independente

É assim que Fabricio se prepara para lançar outro projeto independente que deve surpreender o público. No segundo semestre, nascerá a empresa New Stages Creations, dele e do compositor e cineasta Bernardo Simões. A iniciativa aposta em novas formas de experimentar a música. Novos conceitos de palcos darão origem a uma série de concertos variados e um canal por assinatura com todo o processo de criação musical por trás das produções, novas gravações e vídeos de artistas contemporâneos.

As receitas dos eventos ao vivo e dos vídeos vendidos serão, em sua maior parte, destinadas aos profissionais, que vêm de diversas partes do mundo. Sua fatia no projeto é bem maior do que o que pagam as tradicionais plataformas de streaming. Já há 12 eventos confirmados. A ideia estética surgiu do projeto “Marés – Journeys into Brazilian Music", encomendado a Fabricio e Bernardo durante a pandemia, quando concertos e contatos pessoais haviam sido suspensos.

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