“Capoeira é o motor da minha vida”: francesa faz história ao conquistar mundial no Brasil
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A França tem sua campeã mundial de capoeira. Aos 22 anos de idade, Mahrie Corbu fez história como a primeira francesa a conquistar o título mundial de capoeira, em uma competição disputada no início de fevereiro, em Curitiba, no Paraná. A repercussão da conquista deve garantir maior visibilidade para a prática no país e impulsionar projetos da jovem francesa que usa a capoeira para inserção social.

A vitória na competição europeia, realizada em Madri, garantiu a classificação da francesa para o Mundial no Brasil. Antes disso, ela tinha participado de competições em Munique e Barcelona. Orgulhosa da medalha inédita conquistada na capital paranaense, Mahrie Corbu aproveita a visibilidade conquistada para divulgar os valores da capoeira além dos aspectos esportivos.
“A competição é muito importante para o desenvolvimento da capoeira, porém, não é o objetivo final, algo que como capoeirista tem que conquistar. Faz parte como esporte, da performance física, mas a capoeira vai além disso, tem muitos valores sociais e culturais”, diz. “A capoeira consegue unir as pessoas, de idades e lugares diferentes. É uma língua que a gente consegue conversar através do corpo. O lado da competição é bom, é importante, mas vai além”, acrescenta.
No entanto, Mahrie pode creditar a sua conquista também ao seu espírito competidor. Durante o Mundial, ela não se abateu ao levar um golpe que quase a tirou da roda de capoeira. A francesa lembra que teve de superar a dor de uma pancada nas costelas. “Fiquei um minuto com a respiração cortada, fiquei no chão e não conseguia respirar. Quando vi a ambulância chegar, pensei, ‘se eu não consegui levantar a competição, acaba aqui’. Eu me levantei e decidi terminar a competição mesmo com a respiração ruim”, recordou.
Mais de 20 países foram representados no Mundial. Apesar de não ter a graduação exigida, seu mestre aceitou inscrevê-la na categoria para professoras, já que ela também dá aulas na França. Mahrie era a única estrangeira em uma disputa só com brasileiras. Sem muitas expectativas de subir ao pódio, ela disse ter chegado confiante na competição devido à preparação e ensinamentos adquiridos com seu mentor, o mestre Cacique. “Não pensava que ia ganhar, porém, meu mestre me ensinou muitas coisas, eu acredito muito nos seus ensinamentos e cheguei confiante, pois o trabalho dele é muito bom”, afirma.

Relação com a capoeira começou na infância
A relação de Mahrie com a capoeira começou muito cedo, aos 8 anos, e por acaso. Inscrita para praticar boxe, ela abandonou a modalidade devido às ausências seguidas do professor, e como as aulas de capoeira eram no mesmo local, sua mãe a inscreveu mesmo contra sua vontade.
“Nas primeiras aulas, não gostei e dizia para minha mãe que não tinha coordenação, flexibilidade, nada. Não gostava de cantar, mas minha mãe insistiu”, contou. Depois de dez aulas, Mahrie se convenceu e passou a treinar com regularidade, até mesmo em casa. “Hoje, 14 anos depois, posso falar que a capoeira sempre fez parte da minha vida e hoje é o motor da minha, vida”, afirma.
Seu nome de capoeira, “matadora arte negra” surgiu quando tocando pandeiro durante uma roda de capoeira, repreendeu um aluno indisciplinado apenas cruzando os braços e lançando um olhar severo. Uma amiga brincou dizendo que ela tinha um “olhar de matadora” e o apelido ficou. Ela agregou "arte negra" em referência ao grupo que surgiu na Bahia e tem uma extensão em Bordeaux, cidade no sudoeste da França, graças ao trabalho do mestre Cacique, como é conhecido o baiano Marcelo Bezerra Pereira. Há mais de 20 anos ele se instalou na cidade para divulgação da capoeira.
Mestre Cacique não esconde o orgulho ao ver a repercussão da vitória de Mahrie no Campeonato Mundial Muzenza de Capoeira. Segundo ele, imagens da capoeirista podem ser vistas não apenas em sua cidade natal, Carbon-Blanc, mas também em Bordeaux, e por meio de entrevistas ela ganhou muito espaço na mídia.
"A vitória de Mahrie deu uma visibilidade enorme. Ela está fazendo o que a capoeira pede para fazer. Ela ganhou o campeonato, mas ela está divulgando a capoeira, falando da filosofia. Ela fala da competição, mas não é só isso. Ela não ganhou sozinha, todos os capoeiristas estão ganhando com ela. Ela não tem o espírito da competição, ela tem o espírito da capoeira, e isso é bonito”, comemora Mestre Cacique, que espera nos próximos meses um aumento no interesse pela capoeira e no número de praticantes na região de Bordeaux.
Trabalho de inserção social
Com um diploma universitário de Carreira Social, Mahrie trabalhou como diretora de atividades extraescolares com crianças e adolescentes, mas atualmente se dedica integralmente à capoeira por meio de sua associação “Capoeira Iguald’Arte”, onde dá aulas com membros do grupo Arte Negra. “Eu trabalho com crianças, adultos e idosos, e com pessoas com deficiência e dificuldades sociais, por isso chamei Iguald’Arte, que faz referências à igualdade com arte, de Arte Negra” explica.
Ela encontrou na capoeira uma ferramenta para trabalhar com inserção de populações com dificuldades sociais. “A capoeira tem fundamento, ritual, mas não tem regras fixas, nada escrito. De um grupo para outro, as coisas mudam. É muito fácil a capoeira se adaptar às pessoas, ela é muito inclusiva. Todo mundo pode participar de uma forma ou de outra, se unir através da música, da cultura popular, não é apenas um esporte, mas uma arte de viver e filosofia de vida”, destaca a campeã mundial em um português fluente.
Além da maior visibilidade que sua conquista vai permitir à capoeira na França, ela acredita que o título mundial vai também dar um recado para os brasileiros, a de que estrangeiros, especialmente europeus, estão cada vez mais integrados em uma prática comumente associada ao Brasil. “Você é visto como gringo da capoeira. Quero mostras por meio dessa medalha que as pessoas da Europa também podem praticar e fazer parte da capoeira. E a competição me permitiu mostrar mais o meu trabalho. A competição não é meu objetivo final, mas uso para divulgar meu trabalho na França”, conclui.
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