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Picos de poluição podem aumentar contaminações e infecções graves por Covid-19

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Estudos apontando a relação entre a poluição atmosférica e o aumento não só das contaminações por Covid-19, como dos casos graves da doença, começam a aparecer em diferentes partes do mundo. Pessoas com a saúde perfeita e moradoras de cidades poluídas acabam mais fragilizadas diante do coronavírus.

Embora a poluição seja maior nas zonas centrais das cidades, como em São Paulo e Nova Déli, são os moradores das periferias os mais atingidos pelo problema.
Embora a poluição seja maior nas zonas centrais das cidades, como em São Paulo e Nova Déli, são os moradores das periferias os mais atingidos pelo problema. © Fotomontagem RFI/Adriana de Freitas/ AP
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Da Índia aos Estados Unidos, passando pela França e o Brasil, médicos que estão na linha de frente do combate à doença constatam, no dia a dia, o impacto dos picos de poluentes na alta da curva da pandemia.

Desde novembro, uma equipe da Universidade de Genebra já apontava que os dois fenômenos estavam relacionados, após analisarem os dados de Paris, Londres e do cantão suíço de Tessin. Eles notaram que “tempestades epidêmicas” ocorreram nessas localidades ao mesmo tempo ou logo depois que os serviços de monitoramento da qualidade do ar detectaram alta na concentração de micropartículas de 2,5 micrômetros. Por serem mais finas, elas penetram profundamente nos pulmões e são mais nocivas ao organismo.

Na Índia, um em cada oito casos ocorre pela poluição

Em Nova Délhi, a cidade mais poluída do mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a Associação Médica Indiana afirma que um a cada oito casos de Covid está ligado à poluição.

Na prática, a alta concentração de partículas finas, até 20 vezes superior ao nível máximo recomendado pela OMS, faz com que os habitantes da cidade respirem uma carga viral maior do que em outros lugares, disse o pneumologista Arvind Kumar, do hospital Sir Ganga Ram, em entrevista à RFI.

"A situação é bastante perigosa porque já estamos com a capacidade hospitalar saturada, o que não surpreende nestes picos de poluição. Basta olhar os números”, indica. "Na região de Délhi, onde os índices de poluição aumentaram, simultaneamente os casos de Covid também subiram. Isso não aconteceu nas regiões onde a poluição permaneceu estável. Os outros fatores não mudaram, o que prova a relação de causa e efeito."

A hipótese de que o coronavírus possa de “grudar" nessas partículas antes de serem aspiradas pelas pessoas ainda está sob análise – mas é certo que a maior concentração dos poluentes fragiliza e provoca doenças no sistema respiratório dos moradores dessas zonas.

"A mortalidade aumenta porque a poluição que essas pessoas respiram o ano todo afetou não só os pulmões delas, como o coração, o cérebro e outros órgãos. Ela também aumenta a pressão arterial e o diabetes”, explica o Dr.  Kumar. "É como se enfrentássemos uma dupla pandemia, cujos efeitos combinados são devastadores.”

Monitoramento é insuficiente no Brasil

No Brasil não é diferente, assinala o patologista, professor e pesquisador da USP Paulo Saldiva, um dos maiores especialistas do país nos efeitos da poluição na saúde humana. “A poluição está funcionando como um enfraquecedor inescapável, ao qual todas as pessoas, independente do seu estado de saúde, estão expostas. Consequentemente, funciona como um fator de vulnerabilização, aumentando a chance de que, para um mesmo inóculo, o vírus encontre um ambiente mais favorável para a sua proliferação e, consequentemente, cause uma doença clinicamente relevante”, observa o especialista.

Patologista Paulo Saldiva, professor da USP, tem trabalhado nas autópsias das vítimas do coronavírus no Hospital de Clínicas de São Paulo.
Patologista Paulo Saldiva, professor da USP, tem trabalhado nas autópsias das vítimas do coronavírus no Hospital de Clínicas de São Paulo. © Captura de tela

Na Europa ou na Ásia, outro lugar onde o problema é crônico, as populações costumam ser advertidas sobre a ocorrência desses picos de concentração de micropartículas, que acontecem conforme condições meteorológicas específicas combinadas – pouco vento, alta pressão atmosférica ou ondas de calor, por exemplo. No Brasil, entretanto, o monitoramento da qualidade do ar é deficiente nas áreas urbanas.

"O Brasil tem menos de 3% das suas cidades com algum tipo de medida de poluição. Nas cidades acima de 100 mil habitantes, onde deveria existir algum tipo de acompanhamento, não existe. Tem uma falta enorme de investimentos na área e a manutenção da rede é muito precária”, aponta o patologista.

Periferias são mais atingidas

Paulo Saldiva ressalta ainda que os dados não refletem aspectos sociais da medição. Embora a poluição seja maior nas zonas centrais das cidades, são os moradores das periferias os mais atingidos pelo problema.

"O nosso pulmão tem uma tatuagem de exposição ao CO2, que mede a exposição continuada à poluição. Quanto maior a tatuagem, mais o indivíduo se expôs ao longo da vida. E as tatuagens são maiores na periferia”, comenta o professor, cuja equipe tem trabalhado nas autópsias das vítimas do coronavírus no Hospital de Clínicas de São Paulo. "São essas pessoas que ficam mais tempo dentro dos congestionamentos, no corredor de tráfego denso. Mais tempo respirando poluição, na rua."

O patologista aponta que a cartografia da mortalidade por Covid em São Paulo mostrou que, no começo da pandemia, as mortes se iniciaram no centro, mas hoje atingem sobretudo os subúrbios. Nessas regiões, os moradores têm menos acesso à saúde e mais dificuldades de poder trabalhar de casa – o que aumenta não só a exposição ao coronavírus, como à poluição.

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