Radar econômico

‘Parece a Disney’: moradores do bairro Montmartre estão preocupados com excesso de turistas em Paris

Publicado em:

A convivência entre os moradores de Montmartre e os turistas, cada vez mais numerosos no bairro parisiense onde vivem cerca de 27 mil pessoas, tem se tornado problemática nos últimos meses. Nas fachadas de alguns prédios, surgem mensagens como: "Deixem os moradores viverem". Com seus jardins escondidos, moinhos, vinhedos e a Basílica de Sacré-Cœur — o monumento mais visitado da França em 2024 —, a fotogênica Montmartre começa a sentir os impactos do turismo excessivo.

One of your browser extensions seems to be blocking the video player from loading. To watch this content, you may need to disable it on this site.

A Basílica de Sacre-Couer foi o monumento mais visitado da França, em 2024, quando 11 milhões de pessoas passaram pelo monumento. Paris, 24 de julho de 2025.
A Basílica de Sacre-Couer foi o monumento mais visitado da França, em 2024, quando 11 milhões de pessoas passaram pelo monumento. Paris, 24 de julho de 2025. © RFI Maria Paula Carvalho
Publicidade

Maria Paula Carvalho, da RFI em Paris

O temor é que o bairro perca sua vida cotidiana. A franco-brasileira Dgiorgia Saurin acompanhou essa transformação. “Cresci em Montmartre, é o meu bairro do coração”, conta. “Vi as mudanças ao longo da minha vida, especialmente nos últimos dez anos”, continua. “O bairro ficou mais chique e turístico. Antes era mais popular. Quando meus pais chegaram, a gentrificação já começava, mas agora virou uma Disneylândia de Paris dentro de Paris”, compara.

Com a mudança do público, sorveterias e lojas de souvenirs vêm gradualmente substituindo os serviços e o comércio de bairro, lamenta Caroline Lamour, fotógrafa e moradora de Montmartre. “Antes havia lojas de bairro, açougues, padarias, etc. Mas agora, aqui em Montmartre, só restaram restaurantes”, afirma. “Os pequenos comércios estão fechando um após o outro, dando lugar a lojas que vendem produtos importados chineses”, observa.

Caroline Lamour, fotógrafa e moradora de Montmartre, acompanha as transformações do bairro. Paris, em 24 de julho de 2025.
Caroline Lamour, fotógrafa e moradora de Montmartre, acompanha as transformações do bairro. Paris, em 24 de julho de 2025. © RFI Maria Paula Carvalho

Segundo a moradora, “desde os Jogos Olímpicos, houve um aumento enorme no turismo, o que faz com que, em certos períodos, haja tantos turistas que a gente mal consegue circular”.

Empurrando um carrinho de gêmeos e segurando uma menina pequena pela mão, Delphine, babá e também moradora de Montmartre, confirma: há gente demais.

“São ônibus inteiros que desembarcam. As pessoas nem deixam você passar, é impressionante. A gente evita o bairro quando pode”, explica. “Os turistas são bem-vindos, mas é preciso respeitar quem mora aqui”, exige.

Subimos a ladeira para a famosa Basílica de Sacré-Cœur ao lado de Felipe, que acompanhava um grupo de brasileiros. "Pelo que eu vejo aqui, acredito que haja sim um fluxo grande, maior do que a capacidade do local em relação à quantidade de pessoas, principalmente nas ruas perto das estações de Anvers e Pigalle e obviamente na Sacré-Cœur", ele descreve. "Além disso, o comércio local acabou se tornando muito turístico", completa. 

Os moradores do bairro de Montmartre, em Paris, estão preocupados com o excesso de frequentação turística. Eles alertam para os impactos que dizem sentir no comércio e em seus hábitos, com o número crescente de visitantes. Paris, 24 de julho de 2025.
Os moradores do bairro de Montmartre, em Paris, estão preocupados com o excesso de frequentação turística. Eles alertam para os impactos que dizem sentir no comércio e em seus hábitos, com o número crescente de visitantes. Paris, 24 de julho de 2025. © RFI Maria Paula Carvalho

Outro sinal de alerta foi o fechamento de 20 turmas em escolas públicas, no ano passado, por falta de alunos. Pequenos veículos transportam os turistas no bairro, onde é preciso dirigir com atenção, nas ruelas tomadas por visitantes de todo o mundo, que vasculham as lojas de lembrancinhas. A circulação é delicada. "É muito difícil porque há muita gente, você pode rodar com a caminhonete em certos lugares, tem que ir bem devagar, não é fácil", diz o entregador Moussa. Em entrevista à RFI, ele conta que "todo dia é assim".

Problema de moradia

Como consequência da alta procura por Montmartre, um levantamento mostra que, em dez anos, os preços dos imóveis dispararam, variando entre € 12 mil e € 15 mil por metro quadrado — o que equivalente a cerca de R$ 80 mil por metro quadrado. Os aluguéis de longa duração praticamente desapareceram. Entre maio de 2019 e maio de 2025, o número de anúncios ativos no Airbnb aumentou 36%, segundo dados da empresa AirDNA.

Montmartre se beneficia do aumento de 20% no número de turistas estrangeiros em Paris entre 2014 e 2024, de acordo com dados do Choose Paris Region. Só no ano passado, a capital francesa recebeu 22,6 milhões de visitantes internacionais. E 2025 promete ser um ano recorde.

O turismo excessivo em Montmartre se tornou também uma questão política. Moradores temem a possível descaracterização de um bairro inteiro, com sua história e seu patrimônio.

O exemplo a ser evitado, segundo muitos, é o bairro português de Alfama, que teria atingido um nível de saturação turística. William Gomes, brasileiro que vive em Portugal e visitava Montmartre, diz entender o receio dos parisienses.

“Alfama é um lugar muito turístico em Lisboa. É bonito, sim. A questão é que o turismo atrai pessoas que nem sempre respeitam a cultura local”, acredita. “O morador não consegue entrar ou sair com o carro. Muitas vezes, há odores desagradáveis na porta de casa. Toda região turística tem essa complexidade”, avalia o brasileiro.

O brasileiro William Gomes, eletricista, vive em Lisboa. Ele visitou Montmartre com a família. Paris, em 24 de julho de 2025.
O brasileiro William Gomes, eletricista, vive em Lisboa. Ele visitou Montmartre com a família. Paris, em 24 de julho de 2025. © RFI Maria Paula Carvalho

A prefeitura reconhece que os aluguéis em Montmartre subiram, como em toda a capital francesa, mas admite que há um problema de oferta de moradia. Segundo Jean Philippe Daviaud, prefeito adjunto do 18º distrito de Paris, em entrevista à RFI, a cidade utiliza os instrumentos legais disponíveis para corrigir distorções.

“A posição de Paris é clara: somos contra o Airbnb”, afirma, acrescentando outro ponto: “A cobrança de impostos sobre aluguéis de curta duração era, antes, mais vantajosa do que a de longa duração. Isso mudou: os valores foram alinhados. O número de dias permitidos para locação turística caiu de 120 para 80 por ano”, explica.

Quanto ao fechamento de lojas essenciais no bairro, a prefeitura responsabiliza os proprietários de imóveis comerciais. “Nesse ponto, culpo os proprietários privados, que só pensam no lucro, sem se importar com a qualidade do comércio que vai se instalar, desde que o aluguel seja alto”, lamenta. “Nos imóveis administrados pela prefeitura, como os que ficam no térreo de moradias populares, somos nós que decidimos — e, nesses casos, priorizamos a diversidade comercial”, conclui.

"Efeito Instagram"

Para a prefeitura de Paris, a comparação com a Disneylândia não se aplica, já que Montmartre não possui uma decoração artificial, mas sim uma história autêntica.

Segundo as autoridades locais, a preocupação dos moradores com o turismo não é nova. No entanto, a prefeitura reconhece que o número de visitantes aumentou nos últimos anos, em um bairro pequeno. Após os atentados terroristas de 2015 e a pandemia de Covid-19 em 2020, os moradores haviam se acostumado à queda na frequência.

“Hoje, não temos uma explosão de turismo, mas sim o retorno ao que era antes do confinamento”, compara Jean Philippe Daviaud.

“Montmartre é vítima do efeito Instagram. As pessoas se fotografam em frente a certos estabelecimentos e monumentos e publicam as imagens imediatamente, como prova de que estiveram ali”, observa.

O desafio é conciliar o turismo com o bem-estar dos moradores de Montmartre.

Vista aérea de Paris no bairro de Montmartre. Em 24 de julho de 2025.
Vista aérea de Paris no bairro de Montmartre. Em 24 de julho de 2025. © RFI Maria Paula Carvalho

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios