Exposição na Universidade de Coimbra resgata laços históricos e afetivos com a independência do Brasil
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Até 30 de setembro, a exposição “A Universidade de Coimbra e a Independência do Brasil” reúne registros documentais e bibliográficos da relação histórica entre os brasileiros e a instituição, fundada há 732 anos. As peças podem ser vistas na Sala de São Pedro da Biblioteca Geral.
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O corpo docente de Coimbra acredita ter desempenhado um papel relevante na formação do Brasil como nação, uma vez que a universidade formou estudantes de grande parte da elite brasileira que esteve envolvida na independência, entre eles o patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva, aluno e professor da instituição.
A exposição que retraça esta história está dividida em oito blocos e propõe ao visitante textos da imprensa do século 19, anteriores e posteriores à independência, poemas épicos e documentos cuidadosamente conservados, como a matrícula do primeiro estudante brasileiro, o pernambucano Manuel de Paiva Cabral. Ele frequentou o curso de Leis da UC entre 1574 e 1586. Daquele período até 1910, cerca de 3 mil estudantes brasileiros frequentaram a universidade portuguesa. Entre tantos outros, o diplomata Alexandre de Gusmão, o poeta António Golçalves Dias e o naturalista João da Silva Feijó.
De acordo com António Eugénio Maia do Amaral, um dos curadores da exposição, “a saudade que os estudantes sentiam do Brasil e a atmosfera de debate que existia em Coimbra fizeram emergir uma literatura brasileira plena de brasilidade”.
Efervecência literária e política
Poemas épicos como "O Uruguai", de Basílio da Gama, publicado em 1769, e "Caramuru", do frei Santa Rita Durão, de 1781, foram escritos em Coimbra e mostram quanto “a brasilidade literária se traduziu em consciência política”, destaca Maia do Amaral. “Foi em Coimbra que estudantes brasileiros passaram a discutir o conceito de pátria, definiram as primeiras vontades de emancipação e do que viria a ser uma nação brasileira”, conta o bibliotecário.
A mostra cobre o período pré-independência, no qual a Revolução Liberal do Porto, em 1820, extinguiu a censura e o tribunal da Inquisição, dando aos portugueses e brasileiros grande liberdade de pensamento. “O debate de opiniões que acontecia em Lisboa sobre a independência do Brasil está registrado em documentos escritos e manifestações ocorridas em Coimbra”, enfatiza o curador português.
A imprensa da universidade passou os anos de 1820, 1821 e 1822 a publicar obras poéticas em louvor ao Brasil. “Não sou historiador, mas através de documentos aqui arquivados fica evidente que não havia resistência ou oposição à independência do Brasil.”
Não há notícias de tumultos, afirma Maia do Amaral. “Ao contrário, a imprensa vai publicando os autores brasileiros, faz menção sobre a nacionalidade deles na capa das publicações, para reforçar que se tratava de um assunto brasileiro. Virou um argumento de venda”, observa ele.
Outros documentos testemunham a homogeneidade ideológica que se formou em Coimbra entre os estudantes brasileiros e personalidades que tiveram importância para a independência do país, declarada por D. Pedro I em 7 de setembro de 1822. Maia do Amaral faz questão de evocar na exposição as primeiras tentativas de criação do ensino superior no Brasil, com iniciativas produzidas em Coimbra, e a criação da Sala do Brasil, em 1925, que permanece até hoje como o único instituto dedicado apenas a estudos brasileiros em universidades portuguesas.
O último bloco recorda os títulos de doutor honoris causa oferecidos a ex-presidentes brasileiros e outras personalidades, como ao sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre, em 1962, e mais recentemente ao historiador José Murilo de Carvalho, em 2015.
As visitas devem ser agendadas previamente.
Brasileiros marcam história quase milenar da universidade
A UC é a mais brasileira das universidades europeias. A Sala do Senado, onde acontecem as cerimônias de posse dos reitores e entregas de prêmios, guarda a imagem do padre D. Francisco Lemos de Faria Pereira Coutinho. Apesar de ter a nacionalidade portuguesa, ele é conhecido como “o reitor brasileiro” da instituição.
Lemos nasceu no Brasil em 1735, no engenho de Marapicu, em Iguaçu, na atual Baixada Fluminense. Ele foi o reitor que mais tempo esteve à frente da UC, durante 31 anos, em dois períodos distintos. Francisco Lemos marcou a vida acadêmica por liderar a reforma educativa proposta pelo então ministro Marquês de Pombal.
Influenciada pelo Iluminismo, a reforma pombalina introduziu o ensino experimental na universidade, recorda o ex-reitor João Gabriel Silva, membro fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos. Segundo Silva, até a reforma pombalina, as discussões, as dúvidas existentes sobre questões variadas, desde o comportamento da natureza ao comportamento físico dos objetos, tinham como ponto de partida o conhecimento clássico e a teologia. Ao instituir a experimentação em matérias científicas, a UC se alinhou ao ensino europeu mais avançado da época.
Brasileiros participaram ativamente dessa reforma do ensino. O carioca José Francisco Leal projetou o primeiro laboratório de química da universidade, em 1773. Na faculdade de Medicina, despontaram vários nomes brasileiros, enquanto em História Natural surgiram as “viagens filosóficas”. O baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, que começou estudando Direito em Coimbra e depois Filosofia, tornou-se aos 22 anos o primeiro naturalista português a liderar uma expedição para a Amazônia, em 1783.
Esta presença brasileira marcante pontua a história da universidade ao longo dos séculos. Duzentos anos após a declaração de independência do Brasil, Coimbra ampliou seu reconhecimento internacional e recebe estudantes de uma centena de nacionalidades, para cursos de licenciatura, mestrado e doutorado. Dos 25 mil alunos que formam essa comunidade multicultural, 20% são estrangeiros e a metade, brasileiros.
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