CD de quinteto francês de sopro faz homenagem “cúmplice e irreverente” a Villa-Lobos
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O CD Heitor Villa-Lobos, Works for Wind Instruments, Opus I, acaba de ser lançado na França pelo selo Coriolan. A interpretação das músicas que integram a obra de sopro do músico brasileiro é do quinteto francês “Le Concert Impromptu”. O disco, que também traz algumas surpresas e improvisações, é uma homenagem “cúmplice e irreverente” a Villa-Lobos define o pianista Bruno Belthoise, codiretor artístico do projeto.

O quinteto de sopro Le Concert Impromptu, fundado em 1991, é um dos grupos de referência de música de câmara da cena francesa. Ele já se apresentou algumas vezes no Brasil e considera Villa-Lobos como seu “herói”. O pianista Bruno Belthoise, que além de ser codiretor artístico do CD toca há vários anos com o grupo, explica que a obra de Villa-Lobos que “se adapta com grande facilidade aos instrumentos de sopro e traduz o espírito da floresta, o espírito da música primitiva, faz parte há muitos anos do repertório do quinteto”.
Fabien Lerat, presidente da gravadora Coriolan e responsável do serviço educativo da Filarmônica de Paris, completa dizendo que a música sincrética e vanguardista do autor de Bachianas Brasileiras, “uma mistura entre a música erudita e a música popular, influenciada por várias músicas do mundo” também “representa a identidade do Concert Impromptu”.

Improvisações
Apesar do ano atípico devido à pandemia, as gravações para o CD não foram interrompidas. Elas foram realizadas em uma capela na Savoia, nos Alpes Franceses, um local com uma acústica interessante que permitiu uma gravação espontânea. “Escolhemos isso porque achamos melhor gravar em um local natural do que fazer muitas alterações do som. Foi também devido às improvisações que estão no disco”, diz Belthoise.
A improvisação, que fazem parte da “linguagem” do músico brasileiro, é um dos fatores marcantes do CD. Das 16 músicas que compõem o disco, entre elas Choros n°2 para flauta e clarinete e Bachianas n°6 para flauta e fagote, cinco são improvisações e as interpretações das composições de Villa-Lobos pelo Concert Impromptu também reservam surpresas.
“Claro é uma homenagem cúmplice ao compositor, mas também é uma homenagem um pouco irreverente. Eu explico. O grupo toca as obras integralmente, mas também oferece várias versões extrapoladas (com arranjos de Jean-Michel Bossini) que são ligadas à personalidade de Villa-Lobos, isto é, capacidade de improvisação, robustez da linguagem musical, jogo desenfreado, essa maneira de liberar completamente o som e o efeito musical. Essas improvisações são como reminiscências poéticas ao logo da antologia”, revela o codiretor artístico.
Música brasileira e internacional
Villa-Lobos veio a Paris pela primeira vez nos anos 1920 em busca de reconhecimento para sua música erudita, repleta de influências afro-indígenas-brasileiras. E conseguiu. De Paris, ele ganhou fama mundial. Cem anos depois, Fabien Lerat diz que o maestro é visto hoje na França tanto como um compositor brasileiro quanto como um músico do repertório internacional.
“A música é uma coisa internacional e o Villa-Lobos é um símbolo disso. A França é famosa pela escola de sopros. Ele se inspirou (nessa escola) para compor um monte de peças, mas também deixou uma tradição brasileira na França, algumas imagens, alguns sons da floresta e da América do Sul que ficaram nos compositores franceses. Foi uma troca”, ressalta o presidente da Coriolan.
Bruno Belthoise compara a memória do brasileiro a um disco rígido. O Villa-Lobos tinha uma capacidade incrível de memorizar muitas coisas, idiomas muito sofisticados da música ocidental e também todos esses cantos ameríndios do Brasil. Ele era como um hard disco. Seu cérebro podia compor uma capacidade incrível. São quase 1.300 obras. Villa-Lobos são várias pessoas no mesmo compositor. Ele é capaz de fazer a mistura e a síntese”, elogia o especialista de músicas do repertório clássico luso-brasileiro.
Ainda há muitas composições a serem divulgadas ao público francês e o Opus 2 de Villa-Lobos já está em preparação. O CD será gravado em 2021 e terá além de outras composições para sopro do maestro brasileiro a música “O Túmulo de Villa-Lobos”, do português Fernando Lopes-Graça.
Bruno Belthoise, que não pôde apresentar nenhum concerto público de piano este ano, e Fabien Lerat lamentam, como toda a classe artística francesa, a manutenção das salas de teatro e de concertos fechadas que aprofunda a “terrível” crise no setor cultural na França. Enquanto isso, o CD Villa-Lobos é uma boa oportunidade de descobrir, sem sair de casa, a bela versão do Le Concert Impromptu para composições em sopro do “intérprete da alma brasileira”.
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