Caso Moïse evidencia racismo que barra integração de imigrantes africanos no Brasil
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A morte chocante do refugiado congolês Moïse Kabagambe, espancado em um quiosque no Rio de Janeiro, expôs as dificuldades de os imigrantes, especialmente africanos, se integrarem na sociedade brasileira. O jovem chegou ao Brasil pela primeira vez com os irmãos em 2011, fugindo dos conflitos armados que assolam o seu país de origem.
Mas o que estrangeiros como ele encontram nas cidades brasileiras nem sempre são braços abertos. “A família de Moïse fugia de situações de violação, de violência ligada a grupos armados e paramilitares. Mas quando a gente olha para o Rio de Janeiro, para o Brasil, enxergamos essa mesma situação”, analisa o geógrafo Allan Rodrigo de Campos Silva, pesquisador da Unesp sobre a imigração africana e caribenha no Brasil.
“O Rio de Janeiro pode ser, em alguma medida, um espelho do Congo. Não tem nada de extraordinário, para um congolês, ver isso no Brasil – o que deveria nos assustar.”
O difícil processo de legalização de imigrantes africanos foi o tema da tese de doutorado do geógrafo Allan Rodrigo de Campos Silva, na USP. Ele constatou que os pedidos de visto ficam paralisados por anos e a maioria são negados. “Dito de uma maneira muito direta, o Brasil é um país que tem instituições racistas. A seleção tem um filtro, que os pesquisadores da área chamam de racismo institucional”, explica o pesquisador. “A chance de um imigrante africano negro de adquirir uma documentação de refugiado no Brasil é relativamente menor do que qualquer outro tipo de imigrante, inclusive outros do sul global, como sírios ou chineses, que não são brancos, mas também não são negros.”
Caminhos bloqueados até para profissionais qualificados
Sem a documentação adequada, esses estrangeiros não têm acesso a instrumentos de integração ao país como revalidação de diploma e um emprego formal. Para sobreviver, eles acabam por aceitar vagas em serviços gerais ou na clandestinidade. Em suas pesquisas, Silva cansou de ver engenheiros, pilotos de avião, médicos ou professores de nível superior ficarem por anos num “limbo jurídico”, à espera de uma decisão.
“Quando a gente olha para o tipo de documento que esses imigrantes têm e o tipo de trabalho que eles são capazes de acessar, vemos um entrelaçamento entre o racismo no mercado de trabalho e o nas instituições”, frisa o geógrafo, que atualmente realiza um estudo sobre o impacto da pandemia de coronavírus no emprego dos estrangeiros no Brasil.

“A crise econômica no Brasil tem sido muito ferrenha com os trabalhadores imigrantes. O Brasil não deixou de ser um país de imigração, mas desde que a crise foi deflagrada, em 2014, muitos desses imigrantes começaram a fazer a trajetória de retorno para os seus países de origem, como Haiti, Angola”, observa.
Aumento de casos de violência
Silva ressalta não ter ficado surpreso com a violência que resultou na morte de Kabagambe. Ele percebe um aumento dos crimes de xenofobia no país, principalmente após a ascensão do presidente Jair Bolsonaro.
“Infelizmente, estamos acumulando uma série de assassinatos por espancamento de imigrantes africanos e afrocaribenhos negros no Brasil, como em Santa Catarina, São Paulo e, agora, no Rio de Janeiro. Esses eventos raciais acontecem com maior legitimidade quando entramos num período histórico em que um presidente da República se manifesta diuturnamente a favor de pautas racistas e xenofóbicas”, frisa o pesquisador.
Para ouvir a entrevista completa, clique na primeira foto, acima.
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