Em livro lançado na França, Dedê Fatumma compartilha experiência de resistência como lésbica negra
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“Acredito que as mulheres francesas poderão se identificar com as minhas vivências e, quem sabe, encontrar força em nossas histórias de resistência”, afirma Dedê Fatumma, a escritora e poeta baiana que acaba de lançar na França a versão traduzida de seu livro "Lesbiandade", agora intitulado "Le Lesbianisme", pela editora Anacaona.
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Adriana Moysés, da RFI em Paris
O título, publicado na coleção francesa "A diversidade de vozes brasileiras", é um manifesto político, afetivo e teórico sobre a vivência lésbica, com um olhar especial para as mulheres negras. Dedê compartilhou, em entrevista à RFI, sua trajetória e expectativas em relação a esse novo público.
Ao ser questionada sobre como recebeu o convite para lançar "Lesbiandade" na França, Dedê não escondeu sua emoção. “Primeiramente, quando eu recebi a notícia, eu não acreditei. A Djamila Ribeiro, que é a nossa presidenta, me ligou falando que a Paula, a editora aqui na França, tinha gostado muito e que eu iria lançar.” Para ela, essa experiência é mais do que uma conquista pessoal; é um eco de resistência para outras mulheres negras.
Mestre em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia, Dedê também atua como assistente social em Salvador, focando na população LGBTQIAPN+ e nas discriminações que enfrentam no cotidiano. Em contato com essas populações, ela constata que as violências interseccionais de gênero, classe e raça reforçam a exclusão social.
A abordagem da autora sobre a lesbianidade vai além do que é normalmente abordado. "A lesbiandade não se restringe a uma identidade apenas. O fato de você ser negra e lésbica traz alguns atravessamentos na perspectiva política, econômica e social, interditando, inclusive, a sua existência", explica. "Quando a gente fala de mulheres lésbicas, não se restringe a quatro paredes, à orientação sexual, à questão afetiva", destaca. Segundo Dedê, no Brasil, as mulheres lésbicas enfrentam barreiras adicionais em sua luta por direitos e espaços de poder.
A realidade da discriminação
A escritora ressalta que a discriminação enfrentada por essas mulheres é complexa e multifacetada. “É muito fácil você andar nas ruas de Salvador e ver mulheres lésbicas que não performam uma feminilidade hegemônica, e que infelizmente estão fora do mercado de trabalho”, comenta. Para Dedê, essa marginalização é reforçada por uma estrutura patriarcal, que interage com outras formas de opressão, como o racismo e a desigualdade de classe.
A luta de Dedê vai além da simples narrativa; ela denuncia o que chama de “sistema cisnormativo”. “Sabemos que estruturas são constituídas por pessoas que violentam. Pessoas cisgêneras brancas que, infelizmente, são LGBTfóbicas e instituições racistas”, afirma. Ela critica a forma como a violência contra mulheres, especialmente as negras e lésbicas, é frequentemente deslegitimada, com abordagens do tipo: “O que você fez para apanhar?”
Um legado de resistência
Dedê reconhece que não está sozinha nesse caminho. “Eu não fui a primeira. Nossos passos vêm de longe. Estou falando de Valdecir Nascimento, Heliana Hemetério, Dai Costa, entre outras lésbicas negras. Meu livro fala muito sobre mim, mas também sobre essas mulheres que continuam nessa trincheira”, enfatiza.
A escritora também faz uma reflexão sobre os desafios contemporâneos. “Há uma corrente conservadora hegemônica que ataca os estudos de gênero. No meu livro, eu trago um capítulo que fala sobre rasurar as histórias mal contadas sobre nós”, revela. Para Dedê, construir narrativas contra-hegemônicas é uma tarefa difícil, mas necessária.
Uma mensagem para o futuro
Ao se dirigir às leitoras francesas, Dedê compartilha uma mensagem poderosa. “A teoria também acontece de outras formas, na música, na vida. A trajetória da mulher negra não é apenas lida, mas vivida.” Ela acredita que é crucial que as teorias não fiquem restritas ao espaço acadêmico, mas que se expandam para a vida cotidiana, trazendo uma nova perspectiva.
“Eu costumo dizer que a academia tem uma teoria que cheira naftalina, que não gosta de ser questionada”, conclui. Assim, Dedê Fatumma continua sua jornada, ecoando a força e a resistência de mulheres lésbicas negras, não apenas no Brasil, mas agora também na França.
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