Saúde em dia

Quais os efeitos cerebrais do consumo excessivo do açúcar de alimentos ultraprocessados?

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O neurobiologista francês Xavier Fioramonti estuda como os açúcares podem afetar a atividade cerebral. Diretor de pesquisa do Instituto Nacional para a Agricultura, a Alimentação e o Meio Ambiente (INRAE), na França, ele codirige atualmente uma equipe de oito pesquisadores no laboratório ‘Nutrineuro’, da Universidade de Bordeaux, no sudoeste da França. 

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O cientista francês Xavier Fieramonti estuda os efeitos no cérebro da frutose consumida nos alimentos ultraprocessados
O cientista francês Xavier Fieramonti estuda os efeitos no cérebro da frutose consumida nos alimentos ultraprocessados JOEL SAGET / AFP
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Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

As pesquisas buscam entender como a alimentação influencia as funções cerebrais, as emoções e o controle da memória. “Um dos objetivos é identificar, entre os diferentes tipos de carboidratos que consumimos na alimentação, quais têm efeitos positivos ou prejudiciais para a saúde geral e cerebral”, diz o cientista francês.

Xavier Fieramonti concentra seus estudos na frutose, um açúcar naturalmente presente nas frutas, que contêm fibras, vitaminas e têm efeito benéfico para o organismo. O problema é que a frutose está cada vez mais presente de forma isolada em alimentos ultraprocessados, tanto doces quanto salgados.

“A frutose, como já foi demonstrado nos últimos anos, induz transtornos metabólicos, como o diabetes. Quando consumimos esse tipo de açúcar, o fígado não sabe muito bem como utilizá-lo. Nenhuma célula do corpo sabe metabolizá-lo para convertê-lo em energia”, explica. 

No fígado, esse açúcar é convertido em gordura, o que pode levar à resistência à insulina e ao desenvolvimento do diabetes. Mas o que acontece no cérebro? “Há cada vez mais dados na literatura científica mostrando que, em excesso, o consumo de frutose em adultos afeta a saúde cerebral e induz distúrbios como transtornos de ansiedade, de memória e do comportamento alimentar.” 

Uma das dificuldades, segundo Xavier Fioramonti, é quantificar a frutose consumida no dia a dia. “Se você não lê atentamente a composição de todos os produtos ultraprocessados, é difícil estimar quanto está consumindo.” De acordo com ele, estudos com humanos sugerem que o consumo acima de 50 gramas por dia pode induzir problemas metabólicos, mas medir esse consumo com precisão é praticamente impossível. 

Para estudar os efeitos da frutose em laboratório, Xavier e sua equipe utilizam modelos animais, que são submetidos a uma dieta especial com alta concentração de nutrientes similares a um consumo excessivo nos humanos.

“Em seguida, testamos os comportamentos emocionais e a capacidade mnésica (aptidões relacionadas à memória) desses animais, observamos sinais de ansiedade e de problemas de memória. Nosso objetivo é entender os mecanismos celulares, observar o que foi alterado e compreender por que esse tipo de alimentação, com excesso desse açúcar específico, induz esses transtornos.” 

As pesquisas sugerem que o consumo excessivo de frutose afeta as micróglias, células imunitárias do cérebro, responsáveis por controlar a neuroinflamação, essencial para o equilíbrio cerebral. Os cientistas agora buscam entender como a frutose impacta as redes neuronais, identificá-las e compreender de que forma isso ocorre. 

Impacto na microbiota

Há outros mecanismos desencadeados pelo excesso de certos açúcares que ainda precisam ser identificados. Um deles envolve o impacto sobre a microbiota intestinal, que pode liberar moléculas ainda pouco conhecidas, capazes de se comunicar com o cérebro e alterar a atividade de funções do sistema nervoso.

“No artigo que estamos publicando, junto com outros cientistas, mostramos que, quando a microbiota é impactada pela frutose, isso pode induzir distúrbios de saúde mental em humanos e em animais.” 

Essa é apenas uma das muitas questões que ainda precisam ser detalhadas pelos cientistas. Outra linha de pesquisa investiga como o consumo de glicose pode induzir o diabetes. “Recentemente, mostramos que a resistência à insulina, desenvolvida no diabetes tipo 2, também causa uma desregulação das redes neuronais envolvidas nas emoções.” 

Esse processo envolve a serotonina, um dos neurotransmissores responsáveis pelo controle das emoções. O diabetes tipo 2 pode, portanto, estar associado a uma maior prevalência de ansiedade e depressão. 

“Quando associamos diabetes e depressão, buscamos entender por que há um aumento da prevalência da depressão em pacientes diabéticos. Isso pode ser associado ao consumo excessivo de açúcar. Essa é uma das vias que pode levar ao desenvolvimento de uma resistência cerebral à insulina, o que contribui para distúrbios de saúde mental.” As pesquisas, ressalta, podem ajudar a desenvolver futuros tratamentos ou estratégias de prevenção.

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