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Filme resgata história de Aldo Baldin, um dos maiores nomes da música clássica brasileira

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Às vezes para descobrir o Brasil e brasileiros ilustres, é preciso sair do país. Foi com essa premissa, e diante de uma história inusitada, que o cineasta Yves Goulart deu início a uma pesquisa aprofundada que já dura 10 anos e que terá como resultado o documentário "Aldo Baldin, Uma Vida pela Música".

Fotos da carreira de Aldo
Fotos da carreira de Aldo © Divulgação
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Você que está lendo essa matéria já ouviu falar de Aldo? Foi em Nova York onde mora, que Yves Goulart, natural de Urussanga (SC), viu na estante de uma amiga a capa de um disco na qual estava estampada a igreja de sua cidade natal, com a foto de um homem: Aldo Baldin. Ficou curioso, nunca tinha ouvido falar dele e acabou descobrindo que o conterrâneo foi um dos maiores nomes da música clássica brasileira e internacional. Um tenor reconhecido no mundo inteiro, mas desconhecido pelo cineasta.

Yves gravando em Urussanga com Delfina Baldin (irmã de Aldo Baldin) e o marido Galiléu Sangaletti
Yves gravando em Urussanga com Delfina Baldin (irmã de Aldo Baldin) e o marido Galiléu Sangaletti © Divulgação

"Eu fiquei chocado! Eu trabalho com documentário, trabalhei com artes, como ator e não sabia que Aldo Baldin existia. Isso não foi uma deficiência minha, talvez foi uma deficiência do departamento de cultura do Estado de Santa Catarina ou da cidade que não trabalhou esse personagem para que o público soubesse que ele existia. Aldo é uma história inspiradora por si só", diz Goulart.

Essa descoberta aconteceu quando Goulart fazia pesquisa para a trilha sonora do filme "Além da Luz" e neste momento a curiosidade abriu as portas para o novo documentário do diretor, que desde 2010 pesquisa a vida e obra de Aldo Baldin. A viúva do músico, Irene Flesch Baldin, foi quem mostrou o universo trilhado pelo tenor lírico e deu acesso a um extenso acervo.

Yves com a viúva de Aldo - Irene Flesch Baldin
Yves com a viúva de Aldo - Irene Flesch Baldin © Divulgação

"É tão rico em imagens! Na casa da Irene, eu descobri mais de 30 mil fotografias, arquivos pessoais gravados em Betacam. Eles já tinham a preocupação de fazer um registro disso tudo. Todas as vezes que o Aldo cantou em programas especiais da TV alemão, a Irene gravou. Eles já tinham consciência de que ele realmente era uma pessoa talentosa, que saiu da roça e conseguiu tudo com seu próprio esforço. Ele deixou um legado enorme. O Aldo tem mais de 100 discos gravados", conta o diretor.

Aldo por Aldo

O fio condutor do documentário é um áudio que foi gravado em uma fita cassete pelo próprio Aldo Baldin dois dias antes de morrer, em janeiro de 1994, quando o tenor tinha acabado de completar 49 anos e estava no auge da carreira.

No início da fita ouvimos: "Hoje é dia 3 de janeiro de 1994. Eu estou fazendo esta fita para poder escrever um pequeno livro sobre Aldo Baldin, tenor brasileiro. Porque daqui duas gerações, seguramente, ninguém mais vai saber quem foi Aldo Baldin e para o Brasil seria uma pena".

Segundo o cineasta, "ele começou a gravar um áudio como uma premonição de nossa finitude. Um áudio riquíssimo gravado em primeira pessoa, contando toda a trajetória dele, desde menino até o que ele acha da carreira artística".

Maria Lúcia Godoy (soprano) e Yves Goulart, Belo Horizonte
Maria Lúcia Godoy (soprano) e Yves Goulart, Belo Horizonte © Divulgação

Goulart percorreu o mundo para recontar essa trajetória. Foi até as raízes, no interior de Santa Catarina, onde encontrou o primeiro professor de gaita de Aldo, parentes que nunca compreenderam ao certo o tamanho da dimensão da carreira do tenor, falou com os mestres que no Rio de Janeiro incentivaram a carreira internacional. Foi a Argentina, Alemanha e tantos outros países da Europa. Em Israel fez imagens que ilustram a apresentação que Aldo fez cantando "A Paixão segundo João'', de Bach, em uma igreja, no alto do Monte Sião, em Jerusalém.

Nessa década o diretor e a musicista, Irene Flesch Baldin entraram em um imersão para saber do ponto de vista de quem passou pela vida de Aldo quem foi esse tenor famoso e ao mesmo tempo desconhecido do grande público brasileiro. A viúva também passou a ter uma outra perspectiva da importância do intérprete para a história da música.

Capa do disco onde Yves conheceu Aldo
Capa do disco onde Yves conheceu Aldo © Divulgação

"Aldo Baldin já faz parte da história e entendendo a história a gente pode compreender melhor o dia de hoje. Acho importante saber quem foi Aldo, porque ele deixou marcas em alguns lugares, o que ele fez para chegar a essa fama e por que é lembrado até hoje. O mundo musical o conhece, mas não o grande Brasil. O mundo musical é pequeno e talvez também grande, pois tem ligação em todo o mundo. Os músicos entre si se conhecem e conhecem Aldo, os que não se interessam por música clássica não, porque não o ouviram ou já esqueceram", conta Irene.

Capa do disco
Capa do disco © Divulgação

Tenor, professor e inspiração

A RFI assistiu com exclusividade ao documentário, ainda em fase de finalização. Em mais de duas horas, o filme nos leva ao incrível universo de Aldo Baldin. Uma história inspiradora de perseverança, de alguém que dominou a voz e treinou como um atleta para se tornar um dos tenores brasileiros mais reconhecidos do exterior. São dezenas de pessoas ao redor do mundo que compartilham detalhes distintos do cantor, professor, amigo, marido e pai. Diferentes pontos de vista que destacam a importância desse músico tão famoso e ao mesmo tempo desconhecido dos conterrâneos.

A Pró-Música de Florianópolis promoveu durante muitos anos o Concurso Nacional de Canto Aldo Baldin. No documentário, a primeira vencedora do prêmio, a soprano Kalinka Damiani, coincidentemente também de Urussanga, revela que quando ganhou o concurso também não sabia quem era Aldo, confirmando aí mais uma vez a falha da preservação e difusão da cultura e dos artistas locais que ganharam o mundo.

Yves acredita que o documentário pode resgatar um pouco dessa trajetória quase esquecida e inspirar jovens a trilhar caminhos semelhantes.

"Tem um depoimento no documentário de uma pessoa que diz que falar sobre Aldo Baldin é falar sobre a própria história do canto brasileiro e mundial. Aldo conhecido e reconhecido como tenor, gravou com os maiores regentes do mundo, ganhou o Grammy em 1981 com o disco A Criação, de Haydn, trabalhou com os maiores intérpretes da época. Quando ele começou a se dedicar ao ensino, também foi o melhor professor. Ele era o endereço na Alemanha para pessoas que queriam desenvolver a técnica vocal que o Aldo descobriu, porque ele nasceu com uma voz pequena e conseguiu ampliá-la com técnica vocal. Ele deixou isso também como legado para artistas que até hoje se apresentam pelo mundo", conta o cineasta.

O documentário "Aldo Baldin, Uma Vida pela Música" está em fase de pós-produção. Mas segundo o diretor, não há pressa para o lançamento. "Assim como a voz de Aldo foi lapidada por anos até chegar à perfeição, o filme sobre ele também está sendo cuidadosamente desenvolvido", conclui.

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