Cineclube brasileiro estreia em Madri com exibição de documentário sobre o grupo Racionais MC’s
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O clima frio e chuvoso, que tem acinzentado Madri nesta época do ano, contrasta com o colorido brasileiro apreciado na primeira edição do Cine Caipirinha. Com a proposta de ser um cineclube, o projeto acaba de surgir na capital espanhola, reunindo interessados na produção audiovisual brasileira e amantes da cultura do país.

Ana Beatriz Farias, correspondente da RFI em Madri
A novidade agradou ao público, pelo que deu para perceber na versão teste do evento, em que foi exibido o documentário “Racionais: Das ruas de São Paulo pro Mundo”.
Numa sala preparada para receber a projeção, uma grande maioria de brasileiros se juntou a estrangeiros de diferentes partes do mundo para ouvir o recado que os Racionais MC’s tinham pra dar. A obra, lançada recentemente, retrata momentos emblemáticos da trajetória do grupo, enquanto provoca reflexões sobre questões como desigualdade social e racismo.
Entre os espanhóis que estiveram presentes na exibição, está a catalã Carolina Julia, que trabalha com gestão de selos discográficos. A partir do filme, que teve áudio em português e legendas em espanhol, ela foi apresentada a um novo universo.
“Eu realmente gostei muito. Não conhecia o grupo, porque eu nunca fui muito de hip hop, em geral. Mas eu gostei bastante da história, não tinha nem ideia. Aprendi muito. Sou catalã, mas tudo que seja latino-americano me encanta. Estou encantada, tomara que façam mais”, comentou entusiasmada.
Quem também é espanhol, no papel, é o internacionalista Luís Iglesias. Mas, apesar de possuir a dupla nacionalidade, de ser filho de espanhol e de ter ascendentes na Espanha, país que o acolhe há cerca de um ano, ele se identifica, realmente, como brasileiro. Sendo assim, estar entre tanta gente que compartilha a origem verde e amarela é um alento.
“Eu tenho papéis que me atestam que sou espanhol, mas nasci no Brasil, cresci no Brasil, tenho família brasileira e eu sou brasileiro. Então estar aqui, agora, num outro país, com gente falando a minha língua, comendo a minha comida, escutando a música que eu escuto e prestigiando a nossa cultura pra mim é voltar, por algumas horas, que seja, pra casa. É muito bom e estou feliz de estar aqui. É uma experiência muito boa e que me leva um pouquinho de volta pro aconchego”, explica.
Além do filme
Ao final do documentário, a sala onde foi projetado o filme deu espaço a um almoço com direito a feijoada, caipirinha e música brasileira. E uma das responsáveis por trazer som ao lugar foi a cantora e instrumentista Rachel Dalessandro.

Começando a se aventurar como DJ, ela, que vive há seis anos na Espanha, traz as paisagens sonoras do Brasil para Madri. “É realmente muito importante, muito emocionante, quando você vê que as pessoas estão ali cantando e realmente desfrutando do que você tem pra oferecer. Não só os brasileiros, mas as pessoas que querem se aproximar da nossa cultura”, pontua.
A idealizadora do Cine Caipirinha é Georgina Santos, que trabalha com produção cultural desde quando vivia no Brasil e já fez parte de diversos movimentos artísticos. Hoje, morando na Espanha, ela representa a Sadva Cultural Production, uma produtora recém criada que agencia artistas visuais.
O cineclube foi o primeiro projeto da Sadva a sair do papel. Muito disso se deve ao impacto causado em Georgina pelo filme do grupo Racionais MC’s. Quando ela assistiu à obra, quis compartilhar com o máximo possível de pessoas.
“A gente teve uma semana pra organizar, foi bem rápido, e a resposta do público foi bem positiva. Teve gente que foi apenas para ver o documentário, teve gente que foi apenas pra festa, a grande maioria foi pro evento inteiro. O saldo é extremamente positivo. O saldo cultural, né? Porque foi um dia em que estava todo mundo falando português, que a gente tava conversando sobre a cultura brasileira, comendo comida do Brasil. E esta foi a parte mais importante”, avalia a criadora do projeto.
Conexão Brasil-Espanha
Acreditando no poder da coletividade, Georgina contou com algumas parcerias para tornar a ideia possível. Luísa Bezerra, desenvolvedora de software, entrou nesta lista trazendo todo o conhecimento que tem na área de produção de eventos. A mineira, que vive em Madri há quase dois anos, é uma das organizadoras da Baile, uma festa brasileira que acontece há um ano na capital espanhola.
Quando recebeu o convite para ser parceira na produção do Cine Caipirinha não hesitou:“Sabendo os nichos, os grupos de Madri que eu já conheço, que eu já cheguei neles pra fazer evento, já é uma coisa que acontece naturalmente. Quando a Gina veio me perguntar sobre o projeto, eu, instantaneamente, falei pra ela: eu tenho público pra isso. Eu conheço o público e sei onde a gente vai atacar”.
As estratégias deram certo e o Cine Caipirinha nasceu em uma edição que foi considerada um sucesso pela organização. E a estreia se deu em um lugar que também tem origens brasileiras. O Centro Cultural de Criação Artística La Parcería, onde acontecem shows, aulas, exposições, entre outras atividades, é o espaço físico do coletivo de pensamento, criação e ação que leva o mesmo nome, La Parcería.
Uma das fundadoras do coletivo é a brasileira Alessandra D’Agostino. Além dela, estão à frente do movimento uma equatoriana e quatro colombianos. As ações desenvolvidas e apoiadas pelo grupo costumam envolver temas políticos e de conscientização social. Com o cineclube, que estreou com uma obra que aborda temáticas diretamente ligadas à estrutura social brasileira, não foi diferente.
Alessandra está contente com o resultado: “Então a gente já fez aqui o Samba de Terraza, teve vários eventos do Samba de Terraza, eu tenho um evento que já teve duas vezes, que é um evento de forró. E agora esse do cine… O máximo! Que as pessoas saibam que tem um lugar em Madri que elas podem vir e podem encontrar a cultura delas… Isso é maravilhoso, né? Porque, de repente você vai a um bar e tal, aí é uma coisa que você tá uma hora, duas horas e acabou. E aqui a gente oferece outras coisas, que não sejam só tomar uma cerveja. Você chega aqui e encontra um monte de coisa, você pode encontrar cultura aqui também”.
“País Nordeste”
Além de trabalhar para fortalecer o circuito cultural para brasileiros que vivem na Espanha, Georgina, criadora do Cine Caipirinha, tem o objetivo de expandir a cultura do Brasil valorizando as produções que vêm de fora do eixo mais conhecido internacionalmente. Para isso, a pernambucana quer incluir obras do seu “país Nordeste”, como costuma chamar, nas próximas exibições do cineclube.
“A gente vem de fora do eixo. Porque tem o eixo Rio-São Paulo, tá ali um pouquinho Minas, Porto Alegre. A gente vem do outro Brasil. Que as pessoas inclusive, muitas daqui, não conhecem essa parte. Elas me perguntam ‘de que parte do Brasil você é?’, eu falo ‘Pernambuco’. A galera faz uma cara que parece que eu estou falando que eu venho da lua”, conta rindo.
“É muito importante que a gente traga nossas vozes, nossa visão, nossa cultura, nossa música, nossa comida. Desse Brasil que aqui na Europa ainda é um pouco desconhecido”, conclui.
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