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Tática de buscar ajuda externa piora situação de Bolsonaro, agora sob nova investigação

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No momento em que o setor financeiro ainda analisa os impactos do conflito entre Donald Trump e o STF, apuração da trama golpista tem novo capítulo com o indiciamento de Jair e Eduardo Bolsonaro.

O ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em sua residência enquanto cumpre prisão domiciliar, aguarda julgamento por uma suposta conspiração para derrubar as eleições de 2022, em Brasília, Brasil, em 14 de agosto de 2025.
O ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em sua residência enquanto cumpre prisão domiciliar, aguarda julgamento por uma suposta conspiração para derrubar as eleições de 2022, em Brasília, Brasil, em 14 de agosto de 2025. REUTERS - Adriano Machado
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 Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

De documentos relativos ao pedido de asilo de Jair Bolsonaro a Javier Milei, da Argentina, passando por xingamentos diversos, até uma clara desorganização entre aliados sobre como salvar a pele do ex-presidente.

A partir de conversas e materiais extraídos do celular de Bolsonaro, a Polícia Federal considera fortes os indícios de que ele e o filho, Eduardo, atuaram para prejudicar o processo que apura a tentativa de golpe de Estado. Por isso, ambos foram indiciados por coação.

A operação também atingiu o pastor Silas Malafaia, um dos principais líderes religiosos do país atualmente, que foi alvo de busca e apreensão por supostamente ter feito sugestões à família Bolsonaro nessa empreitada em busca de apoio internacional.

“Pare, Alexandre de Moraes, por você e pela sua descendência. Pare de querer ser ditador. Não se pode levantar contra líder religioso. A Magnitsky para você é pouco”, revoltou-se o líder do PL, Sóstenes Cavalcanti, da tribuna da Câmara.

Entre as conversas analisadas pelos investigadores, está uma em que Eduardo, dos Estados Unidos, afirma que a Lei Magnitsky, aplicada contra o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, está muito próxima de ser aprovada. Alguns dias depois, Moraes foi incluído na lista de pessoas atingidas pela legislação, criada para punir estrangeiros envolvidos em corrupção e graves violações de direitos humanos.

Já o líder do PT na Casa, Lindbergh Farias, destacou um material salvo no celular de Bolsonaro em 2024, dois dias após vir à tona a Operação Tempus Veritatis, que investiga organização criminosa envolvida na tentativa de golpe de Estado e na abolição do Estado Democrático de Direito.

“Uma carta escrita ao Milei pedindo asilo na embaixada argentina. Uma carta vergonhosa, 33 páginas se dizendo perseguido. Isso mostra que o ministro Alexandre de Moraes estava certo ao decretar a prisão domiciliar. Ele sempre quer fugir.”

Moraes deu prazo de 48 horas para que a defesa de Bolsonaro explique o descumprimento de medidas cautelares e o risco de fuga do país.

Big Techs e dolarização

“Alexandre de Moraes é alvo dessas retaliações e virou figura emblemática nesse conflito, menos por causa de Bolsonaro e mais pelo enfrentamento que ele vem fazendo à plataformização e às redes que operam em plataformas”, analisa Cristina Helena de Mello, professora de economia da PUC-SP.

A especialista afirma que o projeto de Trump de fortalecer a economia americana passa pela tecnologia engendrada pelas Big Techs, que recentemente foram alvo de uma decisão do STF sobre responsabilidade por conteúdo nocivo publicado por usuários. A forma de Trump atingir seus objetivos — que incluem também o esforço para assegurar que o dólar continue sendo a moeda de referência nas transações mundiais — passa, no Brasil, pelo apoio a Bolsonaro. Isso sinaliza que a tensão pode aumentar com o julgamento do ex-presidente, marcado para setembro.

“Acho que a proximidade do julgamento de Bolsonaro pode sim impactar o cenário, mas entendo que ele é uma oportunidade para encobrir interesses que, de outra forma, seriam muito explicitamente revelados. Bolsonaro é, em si, uma personagem frágil por conta do processo, das provas, das evidências, do comportamento. Mas a proximidade do julgamento pode ter impacto porque é um recurso retórico importante para a mobilização de interesses que estão sendo defendidos neste contexto”, afirma Mello.

Apreensão no setor financeiro

A aplicação da regra contra Moraes gerou críticas e dúvidas sobre as consequências, mas já se observavam dificuldades no acesso a serviços bancários pelo ministro. Nesta semana, a decisão de outro integrante do STF, Flávio Dino, pontuando que bancos que operam no Brasil devem respeitar as regras brasileiras, colocou o sistema financeiro no centro da crise.

“Os bancos estão em uma sinuca de bico. Eles têm que decidir entre não acatar as disposições da Lei Magnitsky e serem punidos nos Estados Unidos, ou enfrentar aqui a Justiça brasileira. E o que a experiência recente sugere é que o prejuízo causado a bancos que não respeitam as sanções americanas é bilionário”, disse à RFI o economista e consultor em macroeconomia Rafael Prado.

Muitos dos grandes bancos nacionais operam investimentos nos Estados Unidos e, em tese, estariam abarcados pela lei americana, assim como empresas de lá que atuam no Brasil.

“É uma questão que alimenta muito a insegurança jurídica e adiciona um prêmio de risco nos diferentes ativos do país. Se esse cenário de incerteza se prolongar, isso se traduz em custos mais altos, até crédito mais caro, ainda que isso não seja um efeito direto ou instantâneo. O ponto central aqui é que esse é um cenário que exige uma postura mais pragmática das nossas autoridades”, afirmou Prado.

Os analistas, no entanto, não acreditam em um cenário mais dramático, como a retirada do Brasil da rede Swift, como aconteceu com a Rússia após a invasão da Ucrânia.

“O mercado financeiro está acostumado à gestão de risco, inclusive geopolítico. Mas existe certa tensão, claro. O episódio da Rússia aumenta um pouco o temor, porém vejo que esse é um desfecho difícil de ser aplicado ao Brasil, já que a exclusão da rede Swift envolve o apoio da União Europeia. Isso não me parece um caminho possível, pois implicaria custos muito elevados para ambas as partes. O que sugere que a diplomacia talvez seja a melhor solução para lidar com essa questão”, conclui Cristina Helena de Mello.

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