Rendez-vous cultural

Ernesto Neto ocupa Grand Palais de Paris com ressonâncias da floresta e da ancestralidade

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Ernesto Neto é um artista irrequieto, que liga uma ideia a outra, uma criação a outra. As honras são dele de ocupar até final de julho a imensa nave do Grand Palais, um dos principais endereços culturais de Paris, com “Nosso Barco Tambor Terra”. A inauguração nesta sexta-feira (6) conta com a presença dos presidentes Lula e Emmanuel Macron.

Ernesto Neto apresenta "Nosso Barco Tambor Terra" no Grand Palais, em Paris (5/6/25).
Ernesto Neto apresenta "Nosso Barco Tambor Terra" no Grand Palais, em Paris (5/6/25). Patricia Moribe
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Patrícia Moribe, em Paris

Depois de instalações monumentais em locais emblemáticos da capital parisiense, como o Panteão e a loja de departamentos Le Bon Marché, o carioca Ernesto Neto criou uma enorme obra interativa no Grand Palais, com cores, cheiros e som.

Teias de crochê feitas de tecidos coloridos se agarram ao domo do local, formando uma espécie de cúpula, como copas de árvores. Os frutos exalam especiarias como canela, cravo e pimenta-do-reino. O artista convida os visitantes a tirar os sapatos e adentrar na instalação, pisando em lascas de cascas de árvores, descobrindo tambores de várias origens espalhados e prontos para serem manuseados.

Especiaria pendurada na instalação de Ernesto Neto, no Grand Palais, em Paris (5/6/25).
Especiaria pendurada na instalação de Ernesto Neto, no Grand Palais, em Paris (5/6/25). Patricia Moribe

O artista conta que a ideia começou a brotar em 2018, quando visitou Lisboa pela primeira vez. “Eu estava andando pelo Tejo, feliz da vida, com a minha esposa e uma amiga. A gente vendo aquele rio lindo, enorme, um céu azul maravilhoso, de repente eu me dei conta que o fim do rio estava ali adiante e que lá começava o Atlântico”, relata Neto.

“E aí veio toda a nossa história, toda a colonização, toda aquela invasão, a problemática indígena, da matança, a problemática da escravidão africana que chegou no Brasil”, explica. “Há também a consciência da nossa história, que é uma coisa que eu venho falando há muito tempo, que somos filhos de mães indígenas - filhos e filhas de mães indígenas. A ideia de Brasil nasce quando nasce a primeira criança, filha de europeu no Brasil e mãe indígena. E depois são os filhos de mães africanas que chegaram para serem escravizadas. Então é uma história bem complexa que a gente tem”.

Ernesto Neto toca instrumento da instalação "Nosso Barco Tambor Terra", no Grand Palais, em Paris, em 5/6/25.
Ernesto Neto toca instrumento da instalação "Nosso Barco Tambor Terra", no Grand Palais, em Paris, em 5/6/25. Patricia Moribe

Quando o convite para a exposição chegou há cinco anos, a ideia já estava pronta. “Eu sabia que tinha que ser alguma coisa ligada ao barco, ao planeta Terra e ao tambor e à floresta, porque a floresta é a vida, a floresta é a multinatureza, é a força vital. É ela que limpa o universo, produz essa infinidade de seres vivos, essa pluralidade de encontros e desencontros, mas de também um encantamento, um milagre, essa coisa assim majestosa que é a vida”.

“O planeta é cheio de tambores. Assim como nosso corpo, que tem um grande tambor, que é o nosso coração que está batendo - tum, tum, tum, tum. O tambor originalmente é feito de um tronco de árvore com uma pele de animal. Então ele é uma mistura do vegetal com o animal. Eu acho isso uma coisa muito linda. Claro que temos tambores hoje em dia de metal com vinil e coisas do gênero, mas a origem é essa”, explica.

Instalação de Ernesto Neto no Grand Palais, em Paris, 5/6/25.
Instalação de Ernesto Neto no Grand Palais, em Paris, 5/6/25. Patricia Moribe

Nova geração

O Grand Palais também dá espaço no mezanino para uma nova geração de pintores brasileiros, que participam da mostra “Horizontes”, refletindo a pluralidade contemporânea no Brasil, passando por temas como identidade, espiritualidade, trauma e paisagem.

Agrade Camiz, do Rio de Janeiro, participa da exposição "Horizontes", no Grand Palais, em Paris, em 5/6/25.
Agrade Camiz, do Rio de Janeiro, participa da exposição "Horizontes", no Grand Palais, em Paris, em 5/6/25. Patricia Moribe

Agrade Camiz, nasceu no Rio de Janeiro em 1988. Suas telas apresentam camadas visuais e conceituais que lidam com o caos, intimidade de corpos e territórios populares. “Eu sou do subúrbio do Rio, comecei a pintar na rua, primeiro pichando e depois fazendo murais de grafite. Depois de 2017 eu comecei a sentir uma necessidade de me expressar de outras maneiras, usar outras coisas, outras materialidades”, relata.

Vinícius Gerheim, de Juiz de Fora, participa de "Horizontes", no Grand Palais, em Paris (5/6/25).
Vinícius Gerheim, de Juiz de Fora, participa de "Horizontes", no Grand Palais, em Paris (5/6/25). Patricia Moribe

O mineiro Vinicius Gerheim (1992) é de Juiz de Fora. A ruralidade mineira tem parte importante na gênese de seu trabalho. “Juiz de Fora é uma cidade que tem 175 anos, é uma cidade muito recente. A maneira que consumi pintura foi uma pesquisa me levou a uma caligrafia de paisagem. Foi uma maneira de fazer uma conjuntura, unir tudo isso que eu aprendi e vi depois com o meu aprendizado na escola de pintura mesmo".

Marina Perez Simão expõe em "Horizontes", no Grand Palais, de Paris (5/6/25).
Marina Perez Simão expõe em "Horizontes", no Grand Palais, de Paris (5/6/25). Patricia Moribe

Marina Perez Simão, nasceu em 1980 em Vitória, e passou pela Escola de Belas Artes de Paris. Ela propõe uma abordagem abstrata e meditativa. “Eu venho trabalhando nessa série já há muitos anos, assim, um corpo de trabalho que são essas invenções de espaço que habitam o lugar entre paisagem e abstração”, disse a artista à RFI.

Cofurtesy of the artist and Mendes Wood DM, São Paulo, Brussels, Paris, New YorkPhoto credit Diego Bresani
Foto de Antonio Obá, cortesia da Mendes Wood DM, São Paulo, Brussels, Paris, New York. © Diego Bresani/cortesia do artista e da Mendes Wood DM

Antonio Obá, nascido em 1983 em Ceilândia, encara a pintura como gesto político. Seu trabalho evoca a cosmologia ioruba, o cristianismo, os rituais afro-brasileiros para interrogar o corpo negro e sua representação.

"Banhistas n°3", obra do artista brasileiro Antonio Obá, nascido em 1983 em Ceilândia.
"Banhistas n°3", obra do artista brasileiro Antonio Obá, nascido em 1983 em Ceilândia. © EstudioEMObra

“Nosso Barco Tambor Terra” e “Horizontes” fazem parte da Temporada França-Brasil 2025 e podem ser visitados no Grand Palais, de Paris, até 25 de julho, gratuitamente.

A nave do Grand Palais tomada pelas teias em crochê de Ernesto Neto, 5/6/25.
A nave do Grand Palais tomada pelas teias em crochê de Ernesto Neto, 5/6/25. Patricia Moribe

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