Proposta de reforma imigratória em Portugal leva a “corrida” de brasileiros por nacionalidade
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Anunciado após uma reunião do Conselho de Ministros de Portugal na última segunda-feira (23), um projeto de lei prevê mudanças significativas no processo de obtenção da nacionalidade portuguesa e no reagrupamento familiar — medidas vistas como um retrocesso por organizações da sociedade civil e especialistas. A proposta de reforma traz preocupação às comunidades imigrantes, como a brasileira.

Lizzie Nassar, correspondente da RFI Brasil em Lisboa
Entre os pontos mais controversos está o aumento do tempo mínimo de residência legal para imigrantes que desejam solicitar a nacionalidade. O prazo passaria de cinco para sete anos no caso de cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), incluindo os brasileiros, e para dez anos no caso de estrangeiros de outros países.
Além disso, o governo propôs restringir a concessão de vistos de trabalho apenas a profissionais qualificados e incluir a possibilidade de retirada da nacionalidade portuguesa em casos de crimes graves com sentença judicial. A proposta também altera as regras de reagrupamento familiar, exigindo agora que o pedido seja feito ainda no país de origem e apenas após dois anos de residência legal em Portugal por parte do solicitante.
Esclarecimento e corrida pela nacionalidade
Após dias de incerteza, o governo português esclareceu ao jornal O Público Brasil, na tarde desta sexta-feira (27), que imigrantes que já tiverem completado cinco anos de residência legal até o dia 18 de junho de 2025 poderão ainda solicitar a nacionalidade com base nas regras atuais.
A advogada Marcelle Chimer, que atua com imigração em Lisboa, confirma o aumento repentino na busca por informações e pedidos de naturalização. “Está acontecendo uma verdadeira corrida”, explica. “Estamos aconselhando quem já completou os cinco anos a dar entrada o quanto antes. Apesar do anúncio, a proposta ainda precisa passar pelo Parlamento. Certamente haverá alterações no debate parlamentar, especialmente sobre a retroatividade", adverte.
Até o momento, o Parlamento português ainda não definiu uma data para a votação do projeto. O Conselho Nacional para as Migrações e Asilo enviou uma nota à imprensa criticando a ausência de diálogo e pedindo maior participação das comunidades afetadas nas discussões legislativas.
Reagrupamento familiar: um obstáculo adicional
A nova proposta dificulta consideravelmente o reagrupamento familiar. Atualmente, muitos imigrantes conseguem trazer seus cônjuges ou filhos diretamente após receberem autorização de residência. Com as mudanças, será necessário esperar dois anos e solicitar o visto ainda no país de origem.
Francisco Paulo, um trabalhador brasileiro do Ceará, compartilha sua experiência frustrante com o sistema atual. Ele chegou a Portugal há 10 meses com contrato de trabalho e visto legal, mas enfrentou obstáculos inesperados ao tentar trazer a esposa. “Tive que entrar com processo judicial e gastar 800 euros para acelerar o reagrupamento. Ninguém me informou que eu poderia fazer isso ainda no Brasil. Foi uma surpresa amarga”, contou.
Representantes da comunidade imigrante e organizações de apoio também criticaram duramente as propostas. Para Cyntia de Paula, vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa e conselheira no Conselho Nacional para as Migrações, as medidas representam um retrocesso sem precedentes.
"Essas mudanças ferem inclusive princípios constitucionais portugueses. Impedir o reagrupamento familiar é um ataque ao direito básico de viver em família. Portugal sempre foi referência em políticas migratórias inclusivas, e agora vemos uma proposta que pode gerar mais desigualdade, mais exploração", afirma.
Ela aponta que as novas regras podem afetar negativamente o próprio mercado de trabalho português. “Grande parte da força de trabalho nos setores essenciais vem de imigrantes. Dificultar a permanência e o reagrupamento pode prejudicar as empresas, que já enfrentam escassez de mão de obra.”
Clima de incerteza
Enquanto o Parlamento não define o futuro da proposta, a comunidade imigrante vive entre a ansiedade e o medo. Organizações como a Casa do Brasil têm recebido um volume crescente de pedidos de informação, e muitos imigrantes temem ter que deixar o país ou viver em situação irregular.
A advogada Marcelle Chimer recomenda cautela. “É hora de esperar e acompanhar o processo legislativo. Ainda há muito a ser debatido. A versão final da lei pode ser bastante diferente do que foi inicialmente anunciado.”
Francisco e sua esposa já cogitam deixar o país, caso o reagrupamento não seja possível. “Não quero viver ilegalmente. Se o processo não avançar, vamos considerar voltar ao Brasil ou tentar outro país europeu.”
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