RFI Convida

Arte da contestação? Caricatura foi usada para defender Império no Brasil, aponta historiadora

Publicado em:

Mais do que uma fonte de humor, a caricatura é um testemunho da sociedade. No livro Être Caricaturiste (Ser Caricaturista, em tradução livre), lançado na França pela editora Le Poisson Volant, a historiadora brasileira Aline dell’Orto analisa os desenhos produzidos ao longo do século XIX no Rio de Janeiro. Em entrevista à RFI Brasil, ela explica como a caricatura “usa o riso como arma de crítica social”, mas serve, também, para forjar uma ideia de país.

One of your browser extensions seems to be blocking the video player from loading. To watch this content, you may need to disable it on this site.

Aline dell'Orto, historiadora e professora de história e geografia
Aline dell'Orto, historiadora e professora de história e geografia © RFI
Publicidade

Durante sete anos, a historiadora e professora de história e geografia em Paris analisou revistas dos anos 1840 a 1880. Boa parte desse material ela encontrou no acervo digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. “O interessante é entender que um país não é feito só de instâncias oficiais e de política. A nossa vida cotidiana, uma caricatura que a gente olha no jornal e ri pode ajudar a construir um país e forjar uma nação,” observa.

Entretanto, no Brasil, a caricatura teve características particulares, por ter sido incentivada por Dom Pedro II. “Na França, pensamos a caricatura como uma arte necessariamente de contestação e revolucionária. Já no Brasil, esse riso foi usado, também, para defender o Império, no século XIX”, explica.

Brasil moderno?

As caricaturas são o objeto de estudo e o tema de doutorado em história de Aline dell’Orto na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais da França (EHESS) em cotutela com a PUC-RJ. “O fruto da minha tese foi pensar que modernidade é essa na qual o Brasil queria se inscrever, como esse país escravocrata e monarquista queria entrar nessa modernidade e como a caricatura participou desse processo”, detalha.

O livro se divide em três partes: “La Politique”, “La Rédaction” e “La Rue”, ou seja, a política, a redação e a rua. “O objetivo dessa separação é não só analisar as imagens, mas entender a caricatura como um fenômeno social”, diz a escritora.

Se, no início, as caricaturas brasileiras são marcadas pela influência de cartunistas europeus e pouco permeáveis ​​à contestação do sistema político, a análise mostra que elas mudaram ao longo de décadas e se tornaram cada vez mais críticas.

“Num primeiro momento, a caricatura não é uma arte de contestação, mas participa de um projeto liderado pelo próprio Império de construção da nação brasileira e de inscrição dessa nação num painel mais amplo de civilização”, diz a autora. “Ela é inspirada da caricatura europeia, mais especificamente da francesa, mas servindo a esse projeto liderado pelo Império e, mais tarde, ela vai servir a questões de reforma da sociedade brasileira”, como a luta abolicionista, a luta republicana e de liberdades civis.

Ou seja, “no Brasil, a caricatura surgiu com os artistas que faziam parte da Academia Imperial de Belas Artes. Ela nasce no seio da arte oficial,” conclui a autora.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios