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'A COP30 acontece no melhor momento para mostrar o que está em jogo na Amazônia', diz filha de Chico Mendes

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Durante o festival Brésil en Mouvements, em cartaz até sábado (20) em Paris, o documentário “Empate” (2019), de Sérgio de Carvalho, resgata a luta de Chico Mendes e dos seringueiros do Acre pela preservação da Amazônia. A RFI entrevistou Ângela Mendes, filha do líder ambiental assassinado em 1988 e presidenta do Comitê Chico Mendes, que foi convidada para um debate sobre o legado do pai e os desafios atuais da causa socioambiental brasileira.

Ângela Mendes, filha do líder ambiental assassinado em 1988 e presidenta do Comitê Chico Mendes.
Ângela Mendes, filha do líder ambiental assassinado em 1988 e presidenta do Comitê Chico Mendes. © Arquivo pessoal
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A menos de dois meses do início da COP30, em Belém, Ângela destacou a importância de manter viva a memória da resistência dos povos da floresta. “Quase 40 anos depois do assassinato do meu pai, ainda precisamos continuar resistindo”, afirmou. "O filme trata de uma época que, para nós, ainda é muito atual”, diz ela.

Segundo a ativista, os ataques aos territórios indígenas e tradicionais continuam, impulsionados por um sistema “extremamente capitalista e neoliberal”, que impõe violência sobre as populações locais. “Esses territórios ainda são muito ameaçados pela ambição e pela cobiça. As populações que vivem neles estão à margem do acesso a políticas públicas estratégicas para manter seu bem viver.”

Ela reconhece os desafios enfrentados pelo governo Lula diante de um Congresso hostil às pautas socioambientais.

“Nunca vi um governo com mais dificuldade de fazer um mandato coerente com a sua trajetória. Lula está tensionado por todos os lados por forças de extrema direita”, disse. “A própria ministra Marina Silva, uma mulher negra da Amazônia, sofre as piores violências dentro daquele Congresso.”

Apesar das dificuldades, Ângela vê a realização da COP30 na Amazônia como uma oportunidade histórica para colocar os povos da floresta no centro da discussão climática. “A COP está acontecendo no melhor momento, no melhor lugar, para trazer aos olhos do mundo o que está acontecendo na Amazônia – e não só na brasileira.”

“O Brasil continua entre os países que mais matam ativistas ambientais, e isso precisa mudar”, destaca.

Contradições da União Europeia

Durante a entrevista, Ângela também fez duras críticas à atuação da União Europeia. Segundo ela, embora o bloco mantenha um discurso diplomático pró-preservação, os países europeus têm falhado em oferecer apoio efetivo às comunidades amazônicas. Ela denuncia que, em meio ao cenário global de guerras, como as da Ucrânia e de Gaza, recursos que antes eram destinados a organizações locais foram redirecionados para gastos militares, agravando a crise climática e humanitária.

Ela também apontou a contradição de países como Noruega e Alemanha, principais financiadores do Fundo Amazônia, que mantêm empresas atuando na região com impactos negativos sobre a saúde das populações locais e o meio ambiente.

“É como se a doação ao fundo fosse uma compensação pelos danos causados, mas não há como compensar vidas perdidas ou rios poluídos”, afirmou.

Ângela Mendes defende que os territórios protegidos e os saberes tradicionais são parte essencial da solução para a crise climática, mas ainda não são reconhecidos como tal. Ela pede que a população europeia pressione seus governos, bancos e empresas para que deixem de financiar o desmatamento e a violência contra os povos da floresta, e que acordos comerciais como o Mercosul-União Europeia garantam uma comercialização justa dos produtos amazônicos.

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