De Exu ao Congado: artista brasileiro exalta diálogos afrodescendentes na mostra 'Okoto' em Paris
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O artista visual Antonio Serio Moreira tem uma pesquisa de mais de quatro décadas sobre heranças culturais africanas e afro-ameríndias em território brasileiro. Na mostra "Okoto", que abriu suas portas no Marché Dauphine, na região parisiense, ele utiliza esse repertório para dialogar com essa memória dentro da arte contemporânea. Produzindo em suportes variados, Moreira convoca entidades e imaginários de diferentes tradições, dando protagonismo ao universo afrodescendente.
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Antonio Serio Moreira explica que a exposição "Okoto - J'existe" ("Okoto - Eu existo") traz como ressonância a continuação dessa pesquisa de mais de 40 anos do artista natural de Belo Horizonte (MG).
"A ressonância é construída a partir do das nossas heranças, da herança do povo de Minas, do Brasil, das ressonâncias africanas. Então, esse diálogo está sempre no meu trabalho", aponta. "Comemos angu sem saber de onde vem o angu. Tocamos tambor numa sonoridade sem entender que aquilo vem de um pequeno país africano. Minhas buscas exploram esses contextos, esses movimentos, esses territórios", afirma.
"Eu me aproprio de objetos descartados, então trabalho em diferentes suportes", detalha Moreira. "Quando estou construindo um diálogo, há aquela parte em que se está falando do congado, ou dentro da matriz africana de Ketu, ou, por exemplo, do povo de Angola, ou do banto. Então eu trago esses elementos e vou inserindo dentro dessa construção, desse diálogo", conta. "No caso dessas imagens, há às vezes um desenho, às vezes é uma foto. E eu vou trazer a minha vivência a partir dessas imagens, porque eu só trabalho a partir do que eu vivo. E essa se tornou uma linha de trabalho, então eu preciso experienciar. Viver. E aí eu trago essa vivência [para a obra]", afirma o artista.
"Okoto"
O artista mineiro explica que o título da nova exposição deriva do culto a Exu, do culto do Candomblé. "Okoto é uma qualidade de Exu, da família dos Orixás, é o primeiro Exu que se vê, que nasceu de Olodumaré com Obatalá. Olodumaré é o Deus em iorubá dentro de nós, no nosso panteão dos deuses, das divindades iorubás", diz. "Ele é o primeiro Exu, é a expansão do centro para fora. Ele é a expansão de tudo no tempo, no tempo que não está acometido ao relógio, mas é o tempo circular, o tempo das divindades que não têm tempo, o tempo espiralar, citando a nossa Iaiá, salve a [pesquisadora, escritora, professora e teórica de artes cênicas] Leda [Maria] Martins!", celebra Moreira.

De Exu ao Congado
Antonio Sergio Moreira explica que a divindade de Exu também faz parte do menino Kalunga, na tradição do Congado. "Entre essas tradições existiam as divindades da família de Congo que dialogam e tudo vai para um lugar só: a preta velha Conga, o preto Velho Congo, o pai Joaquim e a Maria Conga. Todos eles dialogam em uma coisa que se chama Zambi. Então essas imagens eu trago dali e eu vou fazer essas conexões dentro da minha pintura", conta o artista.
"A ideia não é pintar a divindade", especifica. "Divindade não tem rosto, Deus não tem face. Então eu trago só elementos que nos levam a essa ressonância, a esse imaginário", afirma. Então é nessa figuração de hoje do menino Kalunga que estou resgatando uma coisa de 40 anos atrás, na minha arte, que começo com a figuração e depois vou para a abstração. Eu falo do imaginário, mas pintar a divindade, jamais. Eu posso pintar o imaginário dela", explica.

Descolonizar: um exercício
O artista visual afirma que a prática da descolonização do olhar acontece, antes de tudo, na primeira pessoa do singular. "Descolonizar é, primeiro de tudo, descolonizar-se. É parar de olhar a partir daquilo que o outro te ensinou a olhar. Quebrar primeiro os seus pré-conceitos sobre tudo para depois falar a palavra descolonizar para o outro", afirma. "É muito importante você se descolonizar primeiro. Precisa olhar para dentro de si mesmo", reforça.
"Primeiro, porque curador branco, não é branco [no Brasil]. Ele tem um tataravô, um avô que é de origem ameríndia, mas que sofreu apagamento histórico, memorial. Mas esse curador 'branco' vai olhar para a arte 'branca' feita por 'brancos'. Eu venho falando da invisibilidade de arte produzida pelas mãos dos afrodescendentes desde 2006, quando ninguém falava sobre isso", diz. "A exposição 'Réplica e Rebeldia' de Portugal falava sobre isso, sobre essa invisibilidade. Porque a arte brasileira, feita a partir das mãos de afrodescendentes, só ia para as exposições quando era uma mostra temática", lembra. " Assim como grandes atores brasileiros que nós temos, em nossa teledramaturgia, eles só apareciam no teatro, na televisão, ou numa grande minissérie, quando ela falava de escravidão", pontua Moreira.
A exposição "Okoto - J'existe", com curadoria da Galeria Ricardo Fernandes, fica em cartaz até 30 de outubro, no Marché Dapuphine, em Saint Ouen, e conta com o apoio da Embaixada Brasileira em Paris.

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