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Um dos mais premiados quadrinistas brasileiros, Marcelo D’Salete lança na França HQ sobre escravidão

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Marcelo D’Salete, um dos mais premiados quadrinistas brasileiros da atualidade, está na França para lançar seu álbum "Mukanda Tiodora" ("Ça et là") e participar do 51° edição do Festival Internacional de Histórias em Quadrinho de Angoulême, no sul da França, que começa nesta quinta-feira (25).  

Marcelo D'Salete lança álbum na França.
Marcelo D'Salete lança álbum na França. © Fotomontagem divulgação/RFI
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"Mukanda Tiodora" se passa na São Paulo de 1866, pouco mais de duas décadas antes da promulgação da Lei áurea. O livro se baseia na história real de Teodora Dias da Cunha, uma mulher negra, escravizada e separada de sua família, que decide escrever, com a ajuda de outro escravo, Claro, cartas para encontrar o marido e o filho. 

“É um dos únicos casos na América e no Brasil, com certeza, em que nós temos um relato, em primeira pessoa, de uma mulher negra escravizada falando sobre a sua situação”, explica D’Salete. “E falando sobre seus entes queridos mais próximos, o filho, o esposo. Não é pedindo ajuda, mas falando sobre os seus objetivos, que ela quer juntar o pecúlio, o dinheiro para conseguir a sua liberdade, para comprá-la. Não é a carta de alforria. E falando também sobre o seu sonho”, explica o autor.   

“Então é um caso muito especial, muito específico sobre escravidão no Brasil e que serve para a gente pensar além do caso da Teodora, como que a escravidão era em São Paulo e no Rio de Janeiro também”, analisa.

O álbum tem uma edição primorosa, que inclui um texto de Cristina Wissenbach, professora de História da África na Universidade de São Paulo, que explica a importância de Teodora para entendermos a vida das pessoas escravizadas em meados do século 19, além de todas as sete cartas escritas por ela e Claro, publicadas pela primeira vez em conjunto.

Entre os personagens que fazem aparição estão personalidades relevantes da época, como os intelectuais negros e abolicionistas Ferreira Menezes e Luiz Gama. “Todas essas pessoas estão juntas ali em São Paulo, em 1860. E nessa narrativa eu tentei, de certo modo, conectar isso”, diz D’Salete. 

Outras HQs do autror, traduzidas e publicadas na França pela mesma editora, também são relatos baseados em fatos históricos: Cumbe, que conta, através de diversas histórias, protagonizadas por pessoas escravizadas, a resistência contra a escravidão no Brasil colonial. Já Angola Janga – Uma história de Palmares, que venceu o prêmio Jabuti de HQ em 2018, conta a história do maior quilombo brasileiro.

"Artista que flerta coma a história”

“Eu costumo dizer que sou um artista que flerta coma a história”, diz D’Salete formado em artes plásticas e mestre em história da arte pela USP.

“Eu fui percebendo que boa parte dessas histórias, dos arquivos, não estavam em narrativas e muito menos em narrativas das histórias em quadrinhos. Então, de certo modo, aquilo que eu lia nesses trabalhos de vários outros historiadores como o Flávio Gomes, a Cristina Wissenbach, entre muitos outros, me interessava tanto que eu ficava pensando, como que seria transformar aquilo ali numa história em quadrinhos? E essa foi, vamos dizer assim, a minha tentativa nesses anos todos”, resume.

“Via que havia um potencial muito grande de pegar essas histórias, justamente pensá-las de outro modo. Não pensar em torná-las mais fáceis para as pessoas compreenderem trazendo essas narrativas para os quadrinhos. Mas pensar que o quadrinho tem a possibilidade de transformar essas narrativas e de trazer outro modo de compreender esses temas (...) que é diferente de um texto acadêmico, que é diferente de um filme e é diferente de um texto em prosa de ficção”, explica.

"Protagonistas da sua história"

“O que eu tentei nesses livros, de certo modo, foi trazer esses personagens um pouco como protagonistas da sua história. E compreender como situações como da Teodora ou dos quilombos brasileiros são muito relevantes para a gente entender o Brasil de um modo mais profundo e complexo”, completa.

D’Salete participa este ano, pela primeira vez, do Festival de Angoulême, na França, considerado o maior e um dos mais importantes festivais do gênero no mundo. “A gente sabe que a França é um grande produtor de histórias em quadrinhos, tem grandes artistas, então a expectativa é poder ver obras de diferentes artistas, do mundo todo”, diz D’Salete sobre suas expectativas.

“É uma forma também de tentar conectar, ver trabalhos que estão dentro de um mesmo círculo de preocupações que os meus. Então, gostaria muito de perceber, de notar, de ver como outros autores também estão trabalhando com esses temas e falando de outros países”, diz. 

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