Você conhece a SHUa? Doença rara que atinge os rins pode ser fatal sem diagnóstico
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A SHUa (Síndrome Hemolítico Urêmica Atípica) é uma doença tão rara que às vezes os próprios médicos têm dificuldades em diagnosticá-la. No Brasil, o COMDORA (Comitê de Doenças Raras da Sociedade Brasileira de Nefrologia) divulgou o primeiro relatório sobre a doença em 2022, que atinge, em média, entre 2 e 5 pessoas a cada um milhão, em todo o mundo.
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Taíssa Stivanin, da RFI
O relatório, coordenado pela nefrologista Maria Helena Vaisbish, do Hospital das Clínicas de São Paulo, mostra que 56% dos pacientes são jovens mulheres de cerca de 20 anos, que apresentam insuficiência renal.
“Trata-se de uma doença ultrarrara. Existe todo um programa de educação continuada para tentar ampliar o conhecimento dessa doença entre os próprios profissionais de saúde”, disse a especialista à RFI.
Segundo Maria Helena Vaisbish, muitas vezes as equipes se deparam com pacientes em estado grave, com alterações sanguíneas e renais, sem ter ideia de que os sintomas possam estar relacionados à síndrome.
“Para você pensar em uma doença rara, tem que ter ouvido falar dela. Muitas vezes a gente acaba se deparando com casos em que os profissionais não têm ideia do que seja essa patologia”, explica.
É essencial, diz a especialista, que os exames sejam feitos antes de qualquer intervenção médica, já que não existe, por enquanto, um teste diagnóstico específico.
O exame que detecta os genes alterados e envolvidos no desenvolvimento da patologia mostra que a doença pode estar presente em cerca de 60% dos casos, segundo a nefrologista, e demora cerca de um mês para ficar pronto. Como a patologia é uma emergência médica, não é possível aguardar o resultado dos laudos.
“É uma doença que ainda está sendo mapeada no mundo, inclusive em relação às alterações genéticas. Existe muita necessidade de esclarecimento sobre a SHUa e seus diagnósticos diferenciais”, reitera Maria Helena Vaisbish.
A síndrome altera o chamado sistema do complemento, que atua nas defesas do organismo. Ela desregula algumas das proteínas codificadas por um grupo de genes, explica a nefrologista.
“Nessa doença, existe uma exacerbação da reação natural, que é a defesa do organismo. Ela acaba levando a uma lesão celular na parede do vaso sanguíneo e à formação de trombos dentro das células. O paciente terá então anemia e perda de plaquetas", descreve Maria Helena Vaisbish.
"Forma-se uma espécie de coágulo dentro dos vasos sanguíneos, impedindo a oxigenação adequada dos órgãos irrigados por esses vasos, levando a uma deficiência do funcionamento deles. Um dos fatores observados em quase 100% dos casos da SHUa é a lesão renal aguda”, explica a médica brasileira.
Neste contexto, a identificação da patologia é essencial para que a função renal seja preservada e também para evitar o recurso crônico à hemodiálise e às vezes até ao transplante renal. Mas a doença não se restringe aos rins. Os pacientes também podem ter sintomas gastrointestinais, cardiovasculares e até cerebrais.
A boa notícia é que se for diagnosticado a tempo, o paciente fica protegido das complicações. O tratamento é feito com anticorpos monoclonais específicos. Nos adultos, a SHUa pode se manifestar de várias maneiras e existem diferentes gatilhos, como a existência de outras doenças autoimunes, gravidez ou até cirurgias.
Nutricionista milita para divulgar a doença
A nutricionista Pamela Notario, 37 anos, de Rondonópolis, descobriu que tinha a doença em 2018. Ela foi diagnosticada durante a faculdade, após desistir da carreira de professora de Direito. “Tive muita sorte. Todo esse meu empenho com a alimentação fez muita diferença no meu diagnóstico, na recuperação e no meu período no hospital.”
Antes de descobrir que tinha a SHUa, Pamela pegou uma pneumonia que se tornou crônica. “Os médicos diziam que era coisa da minha cabeça, que eu não sarava porque não queria e tudo isso era emocional”, diz.
Até que um dia ela saiu com o marido para comer um lanche e acordou no dia seguinte com muito inchaço. A nutricionista pensou que fosse uma alergia e foi para o hospital, onde a informaram que seus rins não estavam mais funcionando. “Fui do Pronto-Socorro direto para a UTI”, lembra.
Pamela foi então transferida de Cuiabá (MT), onde estava morando, para São Paulo, já que seu quadro piorou e ela corria risco de morte. “Fomos de UTI aérea para São Paulo e o diagnóstico também demorou. Precisei de hemodiálise e troca de plasma, e acabei tendo o diagnóstico da síndrome", relata.
"A questão emocional é muito forte. Os médicos te tratam como um estudo de caso. Lembro de uma cena que me marcou muito. Eu estava no quarto, na UTI, e chegaram 39 médicos. Eles conversavam como se eu não estivesse ali. Eu me senti como um bicho de zoológico”, compara.
A nutricionista demorou seis meses para retomar uma vida normal após o diagnóstico. Neste período, o cansaço a impedia de trabalhar e estudar, mas ela diz que tem sorte: sua função renal voltou aos poucos, mesmo antes de iniciar o tratamento com a medicação injetável, a cada 15 dias. A molécula é fornecida pelo seu plano de saúde, mas também está disponível no SUS.
Em muitos casos, conta, os pacientes não têm acesso gratuito aos remédios, que são muito caros, e acabam ficando dependentes da hemodiálise. Alguns chegam até mesmo a mudar de país. “É difícil lidar com essas doenças invisíveis. As pessoas não entendem o que é você estar sentada e cansada, e precisar deitar. A fadiga é extrema”.
Hoje Pamela não precisa de hemodiálise e vive normalmente. Ela tem seu próprio consultório e diz que, apesar do cansaço que às vezes surge alguns dias depois de tomar a medicação, ela mantém suas atividades e diz que busca transformar sua experiência em algo positivo. Ela trabalha para divulgar a doença e é representante do Brasil no Conselho Internacional sobre a doença.
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