Crise política na França: imprensa francesa aponta esgotamento do modelo presidencialista
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A imprensa francesa aponta para um impasse político profundo na França, marcado pela instabilidade institucional e pela crise de representatividade. Enquanto a revista L’Express destaca a tentativa de Emmanuel Macron de buscar inspiração no modelo parlamentar alemão, a L’Obs analisa os sinais de esgotamento da Quinta República diante da sucessão de governos frágeis e da ausência de maioria parlamentar.

Ambas as publicações apontam para a leitura de um sistema político em colapso, onde o presidencialismo centralizador já não responde às exigências de uma sociedade em ebulição. A queda anunciada do governo Bayrou representa mais um capítulo da crise política que se aprofunda na França, segundo análise da revista L’Obs. Em menos de três anos, cinco chefes de governo ocuparam o cargo e foram registradas 110 mudanças ministeriais, lembrando a instabilidade da antiga Quarta República (1946–1958).
A ausência de maioria no Parlamento desde as eleições de 2024, somada à pressão social — com protestos organizados por sindicatos e movimentos como “Bloqueemos tudo” — revela um impasse institucional. A crise atual não é apenas política, mas também democrática e social, e levanta a questão: estaríamos diante do esgotamento da Quinta República ou da falência de uma classe dirigente incapaz de reinventar o exercício do poder?
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Especialistas ouvidos por L’Obs apontam para um descompasso entre a nova configuração parlamentar e a cultura política francesa, ainda marcada pela centralização e pela figura presidencial dominante. Emmanuel Macron, mesmo enfraquecido, resiste à ideia de dissolução ou renúncia, enquanto busca um novo chefe de governo capaz de aprovar o orçamento de 2026.
A hiperpresidência, modelo que já não responde às exigências do momento, parece travar qualquer tentativa de mudança. Para alguns analistas, a saída pode estar em olhar para experiências parlamentares de outros países, como a Alemanha ou a Espanha, onde a negociação entre forças políticas é parte essencial do funcionamento democrático. A crise é profunda, mas pode ser uma oportunidade de repensar o regime.
"Monárquico"
Emmanuel Macron, segundo reportagem da revista L’Express, parece buscar inspiração no modelo alemão de coalizão para enfrentar o impasse político francês. Em declaração publicada em 21 de agosto, o presidente apontou para o sistema parlamentar da Alemanha como exemplo de cooperação entre partidos.
No entanto, como destaca L’Express, essa referência entra em choque com o estilo de governo adotado por Macron desde 2017, marcado pela centralização do poder e pela recusa em adotar o voto proporcional. A publicação questiona se o presidente estaria tão acuado a ponto de procurar em Berlim o que não consegue construir em Paris.
A revista L’Express traça um paralelo entre os dois sistemas políticos: na Alemanha, os partidos são respeitados, bem estruturados e operam dentro de um sistema que os obriga a formar alianças. Já na França, os partidos vivem em crise de identidade e representatividade, com siglas que mudam com frequência e pouca base social.
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A reportagem lembra que Macron, ao fim de seu primeiro mandato, rejeitou a ideia de coalizão e abandonou a proposta de reforma eleitoral. Mesmo após as eleições legislativas de 2024, quando se falou em uma virada parlamentarista, não houve esforço real de negociação entre os atores políticos.
Como observa L’Express, Macron foi moldado pela lógica da chamada Quinta República, onde o presidente exerce um papel quase "monárquico". A comparação com o modelo alemão, segundo a revista, revela mais uma contradição do líder francês, que prefere o poder absoluto à construção de consensos. Com a votação decisiva marcada para 8 de setembro, L’Express alerta para o risco de um novo abalo nas instituições francesas — e questiona até quando elas resistirão sem uma reforma profunda.
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