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'Futuro Estado da Palestina, e agora?': revistas francesas se dividem entre avanço diplomático ou erro tático

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O tema do reconhecimento do Estado da Palestina por países ocidentais, liderados pela França, marca uma virada diplomática no conflito israelo-palestino. Segundo a revista francesa Le Nouvel Obs, Macron celebra uma “vitória histórica”. A L’Express vê o início de uma nova arquitetura regional. Já o filósofo francês Bernard-Henri Lévy, na semanal Le Point, alerta para o risco de legitimar o Hamas e aprofundar o isolamento de Israel. Três visões, um impasse.

Displaced Palestinians fleeing northern Gaza carry their belongings along the coastal road toward southern Gaza, Saturday, Sept. 13, 2025, after the Israeli army issued evacuation orders from Gaza Cit
Palestinos fogem do norte de Gaza, carregando seus pertences pela estrada costeira em direção ao sul do enclave, em 13 de setembro de 2025, após o Exército israelense emitir ordens de evacuação. AP - Jehad Alshrafi
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Segundo a revista semanal Le Nouvel Obs, o presidente francês, Emmanuel Macron, cumpriu a promessa de liderar um movimento coletivo de reconhecimento do Estado da Palestina à margem da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. A publicação descreve o momento como "carregado de simbolismo", com aplausos vindos sobretudo de países árabes e a delegação saudita “de pé como uma só pessoa”. O assento israelense, por sua vez, permaneceu vazio em sinal de protesto, observa a Nouvel Obs.

A revista destaca ainda que Paris buscou ampliar o apoio internacional à iniciativa, citando países como Reino Unido, Canadá, Austrália, Bélgica e Portugal, além de pequenos Estados europeus. Os Estados Unidos, por outro lado, endureceram sua posição: “suspenderam os vistos da Autoridade Palestina”, impedindo Mahmoud Abbas de viajar a Nova York, aponta o veículo.

A publicação relata que, dias antes do discurso, uma comissão independente da ONU concluiu que Israel teria “intenção de destruir os palestinos em Gaza, conforme definido pela Convenção sobre o Genocídio”. Macron, ao ser questionado pela emissora CBS, respondeu que “cabe aos juízes ou aos historiadores qualificar um genocídio com base em provas e jurisprudência”.

Para a Le Nouvel Obs, essa inflexão contrasta com a reação de setores que apoiam o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que rejeitam qualquer balanço de vítimas e se recusam a reconhecer que, para cada morto israelense, já há dezenas de palestinos sob os escombros.

A revista francesa L’Express descreve o reconhecimento do Estado da Palestina como um ponto sem retorno. Uma fonte europeia ouvida pela publicação resumiu com ironia: “Reconhecer um Estado é como perder a virgindade, não há volta.” Para o semanário, o dia 22 de setembro marca uma virada no conflito israelo-palestino, com impactos diplomáticos imediatos.

Israel cada vez mais isolado

Segundo L’Express, Israel está “cada vez mais isolado” e conta apenas com o apoio dos Estados Unidos para manter sua ofensiva em Gaza. A revista aponta que esse novo cenário pode inaugurar um processo diplomático inédito. O ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Noël Barrot, afirmou à publicação que o documento apresentado é “o mais ambicioso sobre o conflito desde os Acordos de Oslo, há 30 anos, ou a iniciativa árabe de paz, há 20”.

Barrot também destacou que se trata da “primeira condenação oficial do Hamas pela comunidade internacional” e da “primeira manifestação clara do desejo dos países árabes de uma integração regional com Israel e com o futuro Estado da Palestina”. Para o ministro, “uma nova página começa a ser escrita” — e L’Express reforça que esse gesto diplomático pode redesenhar os equilíbrios no Oriente Médio.

Um erro?

No entanto, no editorial publicado pela revista Le Point, o filósofo francês Bernard-Henri Lévy afirma que o reconhecimento do Estado da Palestina neste momento é uma “ideia funesta”. Embora defenda há décadas a solução de dois Estados e tenha participado de fóruns de diálogo, ele considera que “se houve um único momento em que esse reconhecimento não deveria ocorrer, é agora”.

Segundo Lévy, a decisão pode ser interpretada como uma vitória política do grupo Hamas, mesmo diante das atrocidades cometidas em 7 de outubro. Ele alerta que, para muitos palestinos, o gesto internacional pode parecer “um milagre” que legitima “um movimento radical e sem concessões”, eclipsando a Autoridade Palestina, descrita como “envelhecida e corrupta”.

A Le Point destaca ainda que Lévy vê duas urgências reais: libertar os 48 reféns ainda mantidos em túneis e interromper a guerra. Ele argumenta que, após o reconhecimento, “não há mais incentivo para negociação” por parte dos sequestradores, e que Israel, “traído por seus aliados e tomado pela vertigem do isolamento”, pode intensificar sua ofensiva. “Aspiro à paz com toda minha alma”, conclui o filósofo, “mas não a essa paz. Não desse jeito”.

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