'Futuro Estado da Palestina, e agora?': revistas francesas se dividem entre avanço diplomático ou erro tático
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O tema do reconhecimento do Estado da Palestina por países ocidentais, liderados pela França, marca uma virada diplomática no conflito israelo-palestino. Segundo a revista francesa Le Nouvel Obs, Macron celebra uma “vitória histórica”. A L’Express vê o início de uma nova arquitetura regional. Já o filósofo francês Bernard-Henri Lévy, na semanal Le Point, alerta para o risco de legitimar o Hamas e aprofundar o isolamento de Israel. Três visões, um impasse.

Segundo a revista semanal Le Nouvel Obs, o presidente francês, Emmanuel Macron, cumpriu a promessa de liderar um movimento coletivo de reconhecimento do Estado da Palestina à margem da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. A publicação descreve o momento como "carregado de simbolismo", com aplausos vindos sobretudo de países árabes e a delegação saudita “de pé como uma só pessoa”. O assento israelense, por sua vez, permaneceu vazio em sinal de protesto, observa a Nouvel Obs.
A revista destaca ainda que Paris buscou ampliar o apoio internacional à iniciativa, citando países como Reino Unido, Canadá, Austrália, Bélgica e Portugal, além de pequenos Estados europeus. Os Estados Unidos, por outro lado, endureceram sua posição: “suspenderam os vistos da Autoridade Palestina”, impedindo Mahmoud Abbas de viajar a Nova York, aponta o veículo.
A publicação relata que, dias antes do discurso, uma comissão independente da ONU concluiu que Israel teria “intenção de destruir os palestinos em Gaza, conforme definido pela Convenção sobre o Genocídio”. Macron, ao ser questionado pela emissora CBS, respondeu que “cabe aos juízes ou aos historiadores qualificar um genocídio com base em provas e jurisprudência”.
Para a Le Nouvel Obs, essa inflexão contrasta com a reação de setores que apoiam o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que rejeitam qualquer balanço de vítimas e se recusam a reconhecer que, para cada morto israelense, já há dezenas de palestinos sob os escombros.
A revista francesa L’Express descreve o reconhecimento do Estado da Palestina como um ponto sem retorno. Uma fonte europeia ouvida pela publicação resumiu com ironia: “Reconhecer um Estado é como perder a virgindade, não há volta.” Para o semanário, o dia 22 de setembro marca uma virada no conflito israelo-palestino, com impactos diplomáticos imediatos.
Israel cada vez mais isolado
Segundo L’Express, Israel está “cada vez mais isolado” e conta apenas com o apoio dos Estados Unidos para manter sua ofensiva em Gaza. A revista aponta que esse novo cenário pode inaugurar um processo diplomático inédito. O ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Noël Barrot, afirmou à publicação que o documento apresentado é “o mais ambicioso sobre o conflito desde os Acordos de Oslo, há 30 anos, ou a iniciativa árabe de paz, há 20”.
Barrot também destacou que se trata da “primeira condenação oficial do Hamas pela comunidade internacional” e da “primeira manifestação clara do desejo dos países árabes de uma integração regional com Israel e com o futuro Estado da Palestina”. Para o ministro, “uma nova página começa a ser escrita” — e L’Express reforça que esse gesto diplomático pode redesenhar os equilíbrios no Oriente Médio.
Um erro?
No entanto, no editorial publicado pela revista Le Point, o filósofo francês Bernard-Henri Lévy afirma que o reconhecimento do Estado da Palestina neste momento é uma “ideia funesta”. Embora defenda há décadas a solução de dois Estados e tenha participado de fóruns de diálogo, ele considera que “se houve um único momento em que esse reconhecimento não deveria ocorrer, é agora”.
Segundo Lévy, a decisão pode ser interpretada como uma vitória política do grupo Hamas, mesmo diante das atrocidades cometidas em 7 de outubro. Ele alerta que, para muitos palestinos, o gesto internacional pode parecer “um milagre” que legitima “um movimento radical e sem concessões”, eclipsando a Autoridade Palestina, descrita como “envelhecida e corrupta”.
A Le Point destaca ainda que Lévy vê duas urgências reais: libertar os 48 reféns ainda mantidos em túneis e interromper a guerra. Ele argumenta que, após o reconhecimento, “não há mais incentivo para negociação” por parte dos sequestradores, e que Israel, “traído por seus aliados e tomado pela vertigem do isolamento”, pode intensificar sua ofensiva. “Aspiro à paz com toda minha alma”, conclui o filósofo, “mas não a essa paz. Não desse jeito”.
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