Dor, memória e espionagem: revistas francesas avaliam as cicatrizes dos dois anos do ataque do Hamas
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Na semana que antecede os dois anos do ataque do Hamas a Israel, as revistas semanais francesas abordam as feridas abertas na comunidade judaica, o luto coletivo em Israel e os bastidores da cooperação entre os serviços secretos dos dois países. A grande rabina da França, Delphine Horvilleur, denuncia o silêncio imposto aos judeus críticos da guerra na Le Nouvel Obs. A filósofa Élisabeth Badinter alerta para o avanço do antissemitismo na Le Point, enquanto a L’Express revela segredos do Mossad, o serviço secreto de inteligência e operações especiais de Israel.

Dois anos após o ataque do Hamas a Israel, a revista Le Nouvel Observateur publica uma entrevista com a rabina Delphine Horvilleur, que reflete sobre o trauma persistente entre judeus na França e em Israel. Ela denuncia a escalada do antissemitismo e a radicalização interna da comunidade judaica, além de criticar a resposta militar israelense.
Horvilleur relata o impacto emocional do 7 de Outubro de 2023, que despertou nela memórias da Shoah, como é conhecido o Holocausto na França. Em meio ao luto e à perplexidade, ela afirma que o sonho de Israel como refúgio não pode se concretizar à custa da destruição de outro povo. A rabina também destaca o silêncio imposto a intelectuais judeus que se posicionam contra a guerra.
Na entrevista à Nouvel Obs, ela relembra o gesto simbólico de convidar uma palestina para rezar ao seu lado no Yom Kippur. Horvilleur defende que o diálogo é essencial, mesmo em tempos de polarização extrema, e alerta para os riscos de uma sociedade que só se comunica por meio de slogans e agressões.
O legado de Robert Badinter e o luto israelense
A revista Le Point homenageia Robert Badinter, que será incluído no Panteão francês no dia 9 de outubro, data da abolição da pena de morte, orquestrada por ele na França. Em entrevista, Élisabeth Badinter relembra os combates do marido e lamenta o clima atual na França. “Tudo parece ter que recomeçar, nossos valores se tornaram inaudíveis”, afirma.
Ela denuncia a traição da esquerda francesa, que segundo ela passou a ocupar o lugar da extrema direita no debate sobre o antissemitismo. Badinter, que perdeu familiares em Auschwitz, temia o ressurgimento do ódio. “Pouco antes de morrer, ele disse: ‘É preciso estar pronto para partir na hora certa’”, revela Élisabeth.
Na mesma edição, Le Point publica uma reportagem sobre o luto coletivo em Israel, uma "sociedade traumatizada". A comunidade vive em estado de espera pela libertação dos reféns e pelo fim da guerra, segundo o veículo, que reporta ainda que manifestações semanais em Tel Aviv exigem um acordo de paz. Enquanto isso, o número de mortos em Gaza ultrapassa 62 mil pessoas, e o cemitério militar israelense precisa ser ampliado pela quarta vez.
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Espiões, tensão diplomática e cooperação estratégica
A revista L’Express revela os bastidores da relação entre os serviços secretos de Israel e da França. Após o ataque do Hamas, o chefe da inteligência militar israelense buscou apoio da DGSE (Direção-Geral da Segurança Externa) em Paris. A França, com informantes em Gaza, tornou-se peça-chave na coleta de dados, enquanto Israel se vê fragilizado por depender da tecnologia.
Apesar das tensões políticas, como a exclusão de empresas israelenses da feira Eurosatory e o reconhecimento do Estado palestino pelo presidente Emmanuel Macron, os laços de segurança entre os dois países permanecem sólidos. “O diálogo entre os serviços nunca foi interrompido”, afirma um especialista ouvido pela L’Express.
A revista confirma que os diretores do Mossad e da DGSE se reuniram diversas vezes nos últimos meses, em Paris e Tel Aviv. Mesmo com ameaças diplomáticas, como o possível fechamento do consulado francês em Jerusalém, os dois países seguem trocando informações estratégicas sobre o Oriente Médio, o Hezbollah e o Irã.
Entre o luto coletivo, os dilemas morais e os bastidores da segurança, as revistas nas bancas mostram que, dois anos após o ataque de 7 de Outubro, a questão israelo-palestina continua uma ferida aberta na França e no mundo, capaz de moldar o futuro político da região.
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