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Qual o papel do Ocidente na guerra da Ucrânia? Analistas explicam

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A Guerra da Ucrânia, quando analisada para além da maniqueísta divisão do mundo entre mocinhos e bandidos, trouxe a envolvidos e a espectadores algumas inquietantes indagações, inclusive sobre se o planeta realmente chegou algum dia a sepultar a Guerra Fria. Quais os limites da soberania de uma nação frente aos interesses de grandes potências? Para se aproximar do Ocidente, de sua cultura e consumo, é preciso se filiar a uma entidade bélica?

Refugiados ucranianos em Lviv aguardando horas para poder embarcar em um trem em direção à Polônia. 8 de março de 2022.
Refugiados ucranianos em Lviv aguardando horas para poder embarcar em um trem em direção à Polônia. 8 de março de 2022. © KAI PFAFFENBACH/REUTERS
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

O expansionismo atual e a frágil diplomacia global podem levar o mundo a uma guerra nuclear? E o que a China está achando de tudo isso?

Nem de longe a discussão pretende tirar de Vladimir Putin os mais cruéis adjetivos pelos ataques a um país soberano, ainda mais quando se veem hospitais bombardeados ou civis mortos ao tentar fugir da guerra. Mas certo também que há tempos a Rússia se queixava do avanço militar do Ocidente sobre a região, levado a cabo pela OTAN, criada lá atrás, justamente no momento que o mundo se via ameaçado pela tensa relação entre Estados Unidos e União Soviética.

O especialista em relações internacionais Alexandre Uehara, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, disse à RFI que essa situação começou a se delinear com o fim do bloco soviético e a própria desfeita da OTAN frente ao pedido de Putin para ingressar no grupo armado.

“Após a queda do muro de Berlim, a Rússia está muito fragilizada e suscetível à aproximação com o Ocidente. Tanto Gorbachev e depois Boris Yeltsin tinham propensão a uma relação mais estável e próxima com os países ocidentais. E mesmo Putin, em alguns momentos, se mostrou assim. Houve inclusive uma conversa no início do século XXI entre Rússia e a OTAN, e naquela ocasião Putin disse que o país tinha intenção de ingressar na organização. Mas, naquela época, a resposta foi que a Rússia fizesse o pedido e esperasse a deliberação interna, aguardasse. E isso foi visto por Putin como um desdém, uma desfeita a um país que tinha sido até ali um importante protagonista das relações internacionais”.

Para Uehara, não dá para atestar que a Guerra da Ucrânia teria sido evitada se o avanço militar da OTAN tivesse sido mais contido na região. Mas diz que esse é com certeza um fator que ajuda a entender o conflito. “E então a  OTAN começou a aceitar a adesão de países vizinhos à Rússia. E mesmo Putin fazendo contestações a esses avanços, eles aconteceram. A alegação ocidental era que a OTAN está aberta a quem se mostrar interessado. Mas isso, ainda mais depois do que Putin considerou como menosprezo ao pedido russo, elevou as tensões”, afirmou Uehara. 

"Império decadente"

Outro analista internacional ouvido pela RFI, Ariel Finguerut, doutor em Ciência Política pela Unicamp, considera que a situação econômica e social da Rússia hoje e os desafios de Putin na diplomacia tiveram peso importante na investida do país contra outras nações. “Como um império decadente, muito dependente do petróleo, que tem parcela da população com renda muito baixa, com dificuldade crescente em recrutar jovens para o Exército. Um país que também tem uma dependência forte do serviço de contra inteligência, quer dizer os hackers, até numa necessidade de controlar os meios de comunicação, a mídia. Enfim, tudo isso sufoca o dinamismo da sociedade russa, um país que está com dificuldade de se colocar nesse momento de transição global e que tenta responder esses obstáculos da diplomacia”.

Finguerut também afirmou que a Guerra da Ucrânia escancarou, mais uma vez, as limitações de organismos internacionais. “A própria pandemia evidenciou a dificuldade da OMS em combater esse problema de saúde mundial. No caso das guerras, já tínhamos visto isso no âmbito da ONU, como no caso da Síria. Vimos de novo com a Ucrânia. A própria União Europeia mostra hoje suas limitações”.

Uma das indagações que o tempo ainda vai responder é sobre o avanço da OTAN depois dos ataques russos. Há quem veja clara chance de expansão, diante do temor do peso russo sobre alguns países.

Mas o professor Uehara chama a atenção para um importante ator nesse cenário, a China. “Os chineses já deixaram claro que a expansão da OTAN não é bem vista por eles. E a China é a segunda maior potência econômica hoje, tem relações com o mundo todo, inclusive com os Estados Unidos. Então acredito que o avanço da organização não será como antes”.

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