Empresários brasileiros rebatem acusações comerciais dos EUA em audiência pública em Washington
Publicado em:
Empresas e entidades brasileiras serão ouvidas pelo escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (o USTR, na sigla em inglês) nesta quarta-feira (3) sobre supostas práticas que estariam prejudicando a competitividade de produtos e serviços americanos no Brasil. O Pix é um dos alvos de Washington, que acusa o governo brasileiro de adotar políticas e ações injustas relacionadas ao comércio digital, além de barreiras no mercado de etanol.

Vivian Oswald, correspondente da RFI em Brasília
Nesta quarta-feira, na capital americana, o USTR ouve representantes dos setores privados brasileiro e norte-americano a partir das 10 horas, no horário local. Os 40 participantes inscritos estarão divididos em seis painéis. Todos farão as considerações que julgarem necessárias para o entendimento do governo americano.
A investigação é, na prática, o único canal de negociações aberto entre os dois países até o momento. Os outros estão paralisados por determinação de Donald Trump, que condicionou o fim da tarifa de 50% que impôs às exportações brasileiras à interferência do governo no julgamento em curso do ex-presidente Jair Bolsonaro.
No dia 18 de agosto, o governo brasileiro entregou ao USTR um relatório de 90 páginas com as respostas às acusações americanas, consideradas em sua maioria injustificadas. O documento é resultado de uma grande força-tarefa que reuniu mais de dez ministérios, o Banco Central e um escritório de advocacia contratado nos EUA.
São seis os itens destacados na investigação, que se desdobram em vários subitens. Por isso, o processo é considerado o mais complexo já aberto contra outro país. Em média, um processo como este costuma durar de seis meses a um ano. Mas há casos, como o que abriram contra a carne europeia em 1999, que só foi terminar 20 anos depois.
Processo pode se estender até as eleições de 2026
Segundo fontes do governo brasileiro, a expectativa é que o processo se arraste pelo menos até bem perto da eleição presidencial de 2026. Dadas as acusações sujeitas a interpretações que estão sendo feitas contra o país, não se descarta que os argumentos brasileiros sejam interpretados de maneira mais política do que técnica.
A explicação dos americanos para as sobretaxas que têm aplicado a terceiros países está nos déficits comerciais que os EUA têm com outras nações e nas altas tarifas de importação que são cobradas dos produtos americanos. Este não é o caso do Brasil, que importa muito mais do que exporta ao mercado americano há anos. Ainda que houvesse déficit, talvez isso fosse suficiente para justificar a taxação.
Um tribunal de apelação americano confirmou na semana passada que Trump não tem poderes para impor o seu tarifaço. As taxas, no entanto, continuarão a ser cobradas até 14 de outubro, prazo dado às partes para decidir se o fim da cobrança deve se aplicar a todos ou somente aos autores da ação no tribunal. O governo americano garante ter um plano B na manga. Mas, na terça-feira, Trump convocou uma reunião de emergência para tratar do tema, inclusive na Suprema Corte, para onde o caso deve ser levado.
Washington questiona Pix e barreiras às big techs
O governo Trump alega que o Pix e as decisões da Justiça brasileira prejudicam as empresas de cartão de crédito dos EUA, que antes tinham o monopólio do sistema de pagamento eletrônico no mercado internacional. Também acusam o Brasil, supostamente, de cercear a liberdade de expressão na internet e de impor barreiras à entrada de empresas americanas no mercado de etanol brasileiro, por meio da imposição de tarifas altas e outras restrições.
Outra reclamação americana é que as tarifas preferenciais aplicadas em acordos do Brasil com o México e a Índia prejudicam a sua competitividade, o que o Brasil alega não ser verdade. Segundo o governo brasileiro, as tarifas estão de acordo com as regras previstas na Organização Mundial do Comércio (OMC). Já os produtos mexicanos que entram no Brasil têm em boa medida componentes americanos.
Desmatamento e propriedade intelectual entram na pauta
Os Estados Unidos ainda afirmam que a falta de políticas de combate ao desmatamento, à corrupção e à proteção da propriedade intelectual retiram as vantagens competitivas de seus produtos. No documento entregue a Washington, o Brasil destaca elogios e manifestações de apoio dos americanos a políticas de combate à corrupção e à pirataria no Brasil, além de apresentar dados que indicam a redução do desmatamento, entre outros.
Após a audiência pública, devem ocorrer consultas bilaterais entre Brasília e Washington, em nível de governo. O processo pode resultar em arquivamento, negociações específicas ou tarifas contra setores brasileiros. Não se descarta que, dada a variedade de temas incluídos na investigação, haja um fatiamento do processo.
No Brasil, na semana passada, o governo resolveu acionar a Câmara de Comércio Exterior para estudar medidas no âmbito da Lei de Reciprocidade. A iniciativa é o início de um processo semelhante ao conduzido pelos EUA e deve durar pelo menos seis meses.
NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.
Me registro