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Ataques de Israel a Rafah geram indignação internacional e ONU convoca reunião de emergência

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Apesar da onda de indignação internacional pelo ataque a um campo de deslocados em Rafah, que deixou dezenas de mortos, Israel continuou, nessa madrugada, a bombardear a cidade ao sul do território palestino. Segundo o movimento radical islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza, o bombardeio matou 45 pessoas. 

Em comunicado, o gabinete do presidente palestino, Mahmoud Abbas, acusou Israel de atingir de forma deliberada as tendas dos civis internamente deslocados.
Em comunicado, o gabinete do presidente palestino, Mahmoud Abbas, acusou Israel de atingir de forma deliberada as tendas dos civis internamente deslocados. AP - Jehad Alshrafi
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Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel

O conselho de Segurança da ONU faz nesta terça-feira (28) uma reunião de emergência sobre a situaçao na região. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu lamentou o "trágico acidente" e anunciou uma investigação do governo sobre a ofensiva.

Inicialmente, o Exercito israelense disse que a operação foi realizada a partir de informações do setor de Inteligência e executada com precisão contra um complexo militar do Hamas em Tel al-Sultan, na região noroeste de Rafah, causando a morte de dois membros de alto escalão do grupo. 

Já o Hamas fala em massacre de civis e convocou um levante entre os palestinos da Cisjordânia, do exterior e também em Israel, onde 21% dos cidadãos do país são árabes-israelenses. Desde o início da guerra, o Hamas tenta mobilizar a população árabe de Israel. Mas, com exceção de episódios de violência e confrontos pontuais, até o momento a estratégia não surtiu efeito. 

Em comunicado, o gabinete do presidente palestino, Mahmoud Abbas, acusou Israel de atingir de forma deliberada as tendas dos civis internamente deslocados. 

"A execuação deste massacre hediondo pelas forças de ocupação israelenses é um desafio a todas as resoluções internacionais", diz o texto. 

Posteriormente, o Exército de Israel reconheceu que o ataque aéreo em Rafah provocou incêndios em tendas de civis no sul de Gaza, mas reforçou que a ofensiva ocorreu de acordo com o Direito Internacional. 

Investigação de Israel

Os militares anunciaram que o ataque será investigado pelo Mecanismo de Avaliação do Estado-Maior, um braço independente responsável por apurar episódios incomuns durante a guerra. Essa decisão foi tomada pela advogada-geral militar de Israel, Yifat Tomer-Yerushalmi.

No entanto, mesmo antes do processo de investigação, em discurso no Knesset, o parlamento israelense, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu classificou o ocorrido como um "erro trágico". 

O ataque ocorreu apenas dois dias depois de a Corte Internacional de Justiça (CIJ) determinar a interrupção das ações em Rafah. Em função disso, a operação israelense tem recebido ainda mais críticas da comunidade internacional.

Rumos da guerra

Gadi Eisenkot, membro observador do gabinete de guerra, disse ao Comitê de Segurança e Assuntos Externos do parlamento israelense que a incursão em Rafah deve ser suspensa pelo tempo que for necessário de forma a garantir um acordo capaz de libertar os reféns mantidos pelo Hamas.

Einav Zangauker, cujo filho Matan segue refém do Hamas em Gaza, disse que temia o momento em que o governo de Israel precisaria encerrar a guerra mesmo sem um acordo com o Hamas. Por isso ela segue defendendo um acordo urgente. 

Neste momento, o cenário que ela diz temer pode se concretizar. 

Para além da tragédia humanitária, a avaliação em Israel é que se trata de uma catástrofe também do ponto de vista diplomático. Apenas dois dias após a decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ), o país é responsável por um ataque que atinge a população civil em Rafah. 

Em março, autoridades israelenses fizeram duas reuniões virtuais com membros do governo norte-americano. Os israelenses apresentaram os planos da incursão terrestre ampla em Rafah. Nas duas ocasiões, os norte-americanos não se convenceram da viabilidade da proposta apresentada. E por isso o governo Biden não deu a luz verde para que Israel levasse a incursão terrestre adiante. 

O ataque contra Tel al-Sultan, na região noroeste de Rafah, é, na prática, a materialização dos alertas da Casa Branca. É o tipo de evento que pode mudar o curso da guerra. Também por causa do contexto: a forte mobilização internacional, a contrariedade de Washington em relação aos planos israelenses, e o fato de os dois tribunais em Haia - a Corte Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional - investigarem acusações contra Israel e seus líderes. 

Setores da sociedade "desembarcam"

Segundo informações apuradas pela RFI, uma parte dos generais israelenses considera que não há mais qualquer objetivo a ser alcançado na guerra. Eles avaliam que não será o último confronto contra o Hamas, o que contraria a ideia do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de que seria possível eliminar o grupo palestino. Para esses generais, o melhor a ser feito agora é buscar uma maneira de chegar a um cessar-fogo, encerrar a guerra e trazer de volta a Israel os reféns que permanecem vivos. 

"Estamos fazendo tudo contra os nossos próprios interesses. Atendemos apenas aos interesses de Netanyahu", avalia Ronni Shaked, coordenador da Unidade do Oriente Médio da Universidade Hebraica de Jerusalém. 

Shaked se refere ao jogo político interno de Israel, cuja coalizão de governo tem em suas fileiras dois dos elementos mais extremistas do país: o ministro da Segurnaça Nacional, Itamar Ben Gvir, e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich. Ambos se opõem a qualquer tentativa de acordo e são os alvos frequentes também dos protestos dos familiares dos reféns. 

"Este é um momento fundamental. A sociedade israelense está deixando de apoiar a guerra. Ela entendeu que manter o conflito não irá produzir qualquer resultado prático, apenas fragilizar o apoio de Biden, dos europeus e dos estados árabes (a Israel)", avalia o acadêmico. 

Evento raro de enfrentamento entre Egito e Israel

O Exército do Egito confirmou a morte de um de seus soldados numa troca de tiros com as forças israelenses. No X (ex-Twitter), o país árabe abordou o ocorrido de forma superficial. 

"As forças armadas egípcias estão conduzindo uma investigação por meio de autoridades competentes sobre uma troca de tiros na fronteira na área de Rafah que levou ao martírio de um de seus homens", diz o texto que não faz qualquer menção a Israel. 

Israel também confirmou o incidente e afirmou que não houve vítimas entre suas forças.

Os dois países buscam reduzir as tensões de forma conjunta para impedir uma crise diplomática. 

Fontes egípcias atribuem a responsabilidade a Israel. Autoridades do país disseram ao canal catari "Al-Araby" que o tiroteio na Passagem de Rafah "começou do lado israelense", mas autoridades do exército de Israel afirmam que foram os soldados egípcios que começaram a atirar. Outros soldados egípcios também teriam se ferido.

Após o incidente, o porta-voz do Exército de Israel disse que o caso está sob investigação e há diálogo com o lado egípcio. 

A imprensa israelense cita uma fonte que procura reduzir a importância do ocorrido: "Foi um acontecimento infeliz que está sob investigação". Na sequência do episódio, houve uma conversa de bastidores entre altos funcionários de Israel e Egito. 

O Egito foi o primeiro país árabe a estabelecer relações diplomáticas com Israel, em 1979. A relação é estratégica e considerada fundamental para a estabilidade dos dois países. 

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