Compras argentinas e sinalização de entendimento com EUA animam empresários no Brasil
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Nem a nomeação de Marco Rubio como coordenador das negociações com o Brasil, pelo lado dos Estados Unidos, não esfriou a expectativa pela redução das taxas de comércio entre os dois países. Analistas ouvidos pela RFI destacam papel da Argentina na melhora das exportações brasileiras e não descartam que destino da soja norte-americana entre nas discussões com Washington.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
Os ânimos do setor exportador brasileiro mudaram. De um cenário pessimista, que projetava números negativos após o tarifaço de Donal Trump há dois meses, empresários agora falam em fechar o ano com aumento 2% nas vendas externas do Brasil.
“Parece pouco, mas é um crescimento importante porque nós pensávamos que chegaríamos ao fim do ano com queda nas exportações, após as tarifas anunciadas pelo governo dos Estados Unidos. Então, a situação melhorou”, afirmou à RFI José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Essa nova expectativa não vem apenas do bom contato entre os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos, mas especialmente do desempenho de três produtos, carne bovina, café e milho, e da relação com nossoss vizinhos argentinos.
“A Argentina tem vendido mais carne para o mercado internacional com vistas a atender à demanda dos Estados Unidos, e, por outro lado, tem comprado carne do Brasil para atender seu mercado interno”, explicou Castro.
O representante do setor exportador lembra que essa triangulação pode sofrer alterações, uma vez que o ambiente de tarifas comerciais no mundo está muito volátil. Este clima de incertezas prejudica a agropecuária, que depende do crescimento dos animais para aumentar o rebanho e precisa definir com antecedência o quanto vai plantar.
Os olhos se voltam agora para os próximos passos da relação de Lula com Trump. Técnicos dos dois países correm para tentar alcançar consenso em torno de alguns produtos, para que o encontro tête-à-tête previsto para breve entre os dois líderes resulte em anúncios sólidos.
“Existe um trabalho dos dois lados e uma expectativa de que, quando eles se encontrarem pessoalmente, exista já uma pré-pauta com pontos de convergência, focando na área econômica e deixando em segundo plano questões políticas, como a interferência do governo dos Estados Unidos no judiciário brasileiro”, afirmou à RFI o economista Gilberto Braga, professor do IBMEC.
Peso do contexto geopolítico
O advogado Claudio Finkelstein, coordenador de Direito Internacional da PUC-SP, considera que o processo pode não ser rápido devido a outros objetivos aos quais Trump é mais mais sensível, na geopolítica mundial. “Me parece que haverá uma acomodação da relação entre Brasil e Estados Unidos. Mas, pessoalmente, não acredito que será algo rápido", avalia. "Os Estados Unidos querem que o Brasil se exclua do protagonismo no âmbito do Brics, especialmente da discussão em torno da adoção de uma moeda diferente do dólar."
O jurista menciona outro ingrediente importante da equação: a postura da China. Num momento de reaproximação entre Brasil e EUA, Pequim anunciou a suspensão da compra de soja americana, abrindo caminho para o aumento das vendas brasileiras do produto, num contexto internacional de grande produção e até estoque do grão por parte dos dois países.
“É muito importante ver quais as intenções da China, porque se trata hoje do único país que pode ser uma alternativa tecnológica aos Estados Unidos. A gente percebe uma certa acomodação, hoje, na relação entre Pequim e Washington, mas estamos numa crise global e há muitos interesses", salienta Finkelstein. "A questão da soja, que pode elevar a venda do produto brasileiro aos chineses, é parte dessa estratégia."
Para o presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil, a soja inclusive pode entrar nas conversas mais adiante. “Nada garante que esse assunto não entre na discussão. Pode acontecer, afinal Brasil e Estados Unidos são os dois maiores produtores de soja", destaca. "Dependendo da posição que Estados Unidos e China adotarem, isso afeta o Brasil. Podemos ter, no contexto da soja, negociações China e Estados Unidos, Brasil e China e Brasil e Estados Unidos, e não sabemos quem poderá ter mais vantagem. É um cenário que pode trazer surpresas”, disse José Augusto de Castro.
Marco Rubio
Outro ponto que tem repercutido entre autoridades e empresários brasileiros foi o anúncio de que o secretário de Estado do governo Trump, Marco Rubio, é quem vai coordenar as negociações com o Brasil.
O que à primeira vista pareceu um entrave às discussões, pode ter um lado positivo, afirmou o economista Gilberto Braga. “Você ter alguém que enxerga no governo brasileiro uma ideologia contrária aos interesses dos Estados Unidos traz um grau de dificuldade para o processo de negociação, mas se essa barreira for ultrapassada, significa que aquilo que for pré-acordado entre Rubio e a equipe brasileira será chancelado pelos presidentes. Não haverá campanha paralela”, aponta o economista. “Aparentemente, os interesses políticos ficarão, de fato, em segundo plano, porque ele está sendo indicado para discutir questões econômicas e não interferências dos Estados Unidos nos assuntos internos do Brasil”, completou Braga.
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