Visita de Lula a Putin reforça o grupo Brics e não incomoda Trump, avaliam especialistas
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitou convite de Vladimir Putin e vai participar de encontro bilateral com o líder russo, além de prestigiar o desfile militar em celebração dos 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. A RFI ouviu três analistas internacionais, que avaliaram as repercussões dessa viagem para as relações internacionais do Brasil.
Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
Não é qualquer evento e não é qualquer chefe de estado. Trata-se de celebrar a vitória dos soviéticos sobre a Alemanha nazista, ao lado de Vladimir Putin, em meio à Guerra da Ucrânia.
O presidente Lula decidiu participar das cerimônias em Moscou num cenário de fortalecimento geopolítico dos Brics, bloco com 11 países que teve como fundadores Brasil, Rússia, Índia e China, de clara polarização entre Estados Unidos e China, e de um imprevisível governo americano de Donald Trump, que tem se aproximado da Rússia.
“Existe uma percepção de que o Brasil, depois de bastante tempo procurando uma situação de mediação, com certo isolamento em relação a essas questões internacionais, hoje já tem uma posição muito mais definida em relação às suas preferências de alianças, se aproximando dos países dos Brics”, afirmou a analista internacional, Giovana Branco, doutoranda em Ciência Política na USP e especialista em política russa.
Giovana Branco avalia que essa postura do Brasil se enquadra na previsão de uma mudança no ordenamento de poder internacional, não mais centrado nos Estados Unidos. Daí a aproximação, cada vez maior, do governo brasileiro a países como China e Rússia.
“Pode ser um movimento bastante perigoso, já que, com isso, o Brasil acaba se afastando de outros aliados mais tradicionais. Mas isso também vem num contexto que não é isolado, já que a gente tem visto, por exemplo, os Estados Unidos tomando uma posição muito mais dura inclusive em relação aos seus aliados mais tradicionais.”
Críticas
Ainda que pesem críticas que o Brasil receba, a professora de Relações Internacionais da Unifesp, Cristina Pecequilo, avalia que a decisão de Lula de participar das cerimônias russas foi acertada. “Certamente podem haver críticas por conta da guerra da Ucrânia, por conta da aproximação de Lula com uma pessoa que é considerada um ditador. Mas eu acho que o Brasil fez o correto. Brasil não pode abrir mão da sua relação com a Rússia”, explicou.
A analista internacional cita tanto a relação econômica entre os dois países, com destaque para a área de fertilizantes e agrotóxicos, como também a questão geopolítica internacional. E avalia que o ambiente pode se acomodar com a movimentação de novos e antigos protagonistas. “Países europeus ainda veem o Putin com muita desconfiança. Mas hoje, por exemplo, os Estados Unidos negociam com a Rússia. Então, eu acho que as coisas retomam uma certa normalidade em termos de política internacional baseada em interesses”, avalia Pecequilo.
A avaliação do professor de Relações Internacionais da UERJ, William Gonçalves, é de que essa aproximação de Lula e Putin não incomoda diretamente os Estados Unidos.
“Eu não vejo que haja uma preocupação dos Estados Unidos de Trump com a relação Brasil-Rússia. Ele está muito mais preocupado com a relação Brasil-China. Isso sim porque ele próprio diz com todas as letras que a China invadiu a América Latina.”
Por outro lado, a obsessão de Trump com a China tem reflexos no Brics e na ideia de uma nova conjuntura global, não mais centrada nos Estados Unidos e na Europa. “O grande inimigo dos Estados Unidos, aquilo que ameaça e apequena o país norte-americano, é a China, sem dúvidas. E eu digo que também é o Brics, que incomoda como bloco, e que reúne os grandes países da periferia, os cinco fundadores e mais aqueles produtores de petróleo, por último a Indonésia. Incomoda, principalmente, quando o Brics fala em desdolarização da economia internacional”, aponta Gonçalves.
“Curiosamente, Trump procura manter uma boa relação com a Rússia e com o presidente Vladimir Putin. Muita gente atribui isso a negócios particulares de Trump; alguns atribuem ao racismo e outros, mais ligados à questão da geopolítica, consideram que essa aproximação é uma forma de Trump tentar separar a Rússia da China. Esses dois países, eu chamo de vértice do Brics”, explicou William Gonçalves.
A professora Cristina Pecequilo disse que essa nova investida de Trump mexe com o jogo, mas não tem força para anular o Brics. “Com Trump se aproximando mais da Rússia, o que acontece é justamente uma valorização maior das relações Estados Unidos-Rússia do que essencialmente do papel do Brasil. Mas, para a Rússia e para o Brasil, o Brics é muito importante e isso não vai mudar”, afirmou Cristina Pecequilo.
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