Medidas de Trump contra Brasil põem países vizinhos em alerta
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A aplicação de tarifas de 50% sobre todas as exportações brasileiras aos Estados Unidos, anunciada por Donald Trump, tem gerado preocupação nos países sul-americanos, especialmente nos governados pela esquerda e com menos capacidade de resposta do que o Brasil. Na próxima segunda-feira (21), quatro presidentes de esquerda da região mais o primeiro-ministro espanhol se reúnem em Santiago, no Chile, tendo essa preocupação como um dos pontos a serem debatidos.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
Pela primeira vez, o presidente americano combinou abertamente argumentos comerciais com ideológicos para justificar a aplicação de tarifas adicionais, procurando influenciar um poder independente de um Estado democrático. Até onde a Casa Branca pode aplicar sanções comerciais por motivações políticas e ideológicas?
O anúncio de Donald Trump despertou a seguinte lógica na região: se o presidente americano anunciou um elevado aumento de tarifas paras todas as exportações do Brasil — a principal economia da região, um ator global, um país historicamente aliado dos Estados Unidos, com capacidade de manobra e com influente diplomacia —, o que resta para países menores, sem poder de fogo nem capacidade de resposta?
Na semana passada, por exemplo, Trump também anunciou uma tarifa de 50% para todas as exportações de cobre para os Estados Unidos a partir de 1º de agosto. A medida atinge em cheio o Chile, mas também o Peru e o México.
Um terço do cobre que os americanos consomem é importado e 10% de todo o cobre que o Chile exporta para o mundo vai para o mercado norte-americano.
Preocupação, incredulidade e vantagens
“Obviamente, existe uma preocupação na região com as medidas de Trump, mas também existe certa incredulidade quanto às chances de todas as ameaças serem cumpridas tal como foram anunciadas", explica à RFI o sociólogo e analista político chileno, Patricio Navia, da Universidade de Diego Portales.
O também professor Universidade de Nova York lembra ainda que o presidente americano "também tinha prometido acabar com as ditaduras na Venezuela e em Cuba. Anunciou que incorporaria o Canadá e que castigaria o México. Algumas dessas promessas devem ser cumpridas para que Trump não perca toda a credibilidade, mas os atores políticos não o levam totalmente a sério”, acredita.
Da China, onde participa de um seminário organizado pelo Ministério do Comércio chinês, a cientista política uruguaia, Micaela Gorritti, da Universidade da República, em Montevidéu, entende a preocupação na vizinhança, mas vê também vantagens na fragilidade dos países vizinhos.
“Os países da região estão preocupados, sem dúvida. Não têm a mesma capacidade de negociação do Brasil, uma economia diversificada. Os países vizinhos são muito mais dependentes dos Estados Unidos e têm menor margem de manobra”, concorda a especialista à RFI.
“Porém, esse tipo de anúncio também ajuda a gerar posturas comuns numa região que tem tido dificuldades de coordenação. Então, essa preocupação pode gerar algo positivo: se individualmente os países têm menos capacidade de resposta, surge a oportunidade de haver uma coordenação coletiva entre os países. E essa coordenação é o contrário da divisão que beneficia Donald Trump”, pondera Gorritti.
Para os países da região, o “tarifaço” é um incentivo à união em torno de valores como soberania, democracia e multilateralismo e contra o uso de sanções comerciais por interesses geopolíticos ou ideológicos.
Castigo geopolítico
Pela primeira vez de forma explícita, Donald Trump usou argumentos desse tipo contra um governo que considera ideológicamente oposto, visando intervir em um poder independente de um país democrático. Para defender seu aliado ideológico, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o presidente americano tenta influenciar a decisão da Justiça brasileira.
O republicano também procura atingir o membro sul-americano do BRICS, acrônimo em inglês do grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Para a analista uruguaia, Micaela Gorritti, Donald Trump aponta contra o Brasil como uma demonstração de poder.
“O Brasil é o país mais importante da América Latina. Trump quer demonstrar que pode disciplinar o país mais importante como forma de demonstrar poder aos demais. Além disso, o Brasil faz parte do BRICS e é o principal aliado da China na região. Então, como parte de uma estratégia mais ampla, Trump quer criar uma barreira de contenção à expansão da China na região e do BRICS num nível global”, avalia a especialista, para quem Bolsonaro é o ator interno capaz de desempenhar esse papel.
“Ao pressionar por Bolsonaro, Trump quer que o seu aliado ideológico possa disputar as eleições do ano que vem, num país crucial para conter a China e limitar o BRICS”, considera.
Para o analista chileno Patricio Navia, a estratégia de Donald Trump, em vez de beneficiar Bolsonaro, beneficia Lula, que aposta no discurso de patriotismo. “A estratégia de Trump é ruim porque produz o efeito contrário do que pretende. Torna Bolsonaro um vendido ao imperialismo norte-americano, prejudicando os interesses do Brasil. É como o discurso de fazer do Canadá um estado dos Estados Unidos. Terminou fortalecendo a esquerda canadense”, compara Navia.
Desde que assumiu, Donald Trump repetiu tanto que queria incorporar o Canadá que acabou fortalecendo o primeiro-ministro Justin Trudeau, levando o Partido Liberal à vitória nas eleições de abril.
Para Patricio Navia, se as eleições brasileiras do ano que vem fossem dentro de um mês, Lula venceria a disputa eleitoral.
“Se isso tivesse acontecido a um mês das eleições, o teria ajudado a ganhar a votação. O anúncio de Trump obriga a oposição a defender o sistema judicial brasileiro, a independência das instituições e a se alinhar a Lula”, afirma.
Oportunidade regional para Lula
Os analistas consultados pela RFI concordam que o presidente Lula tem agora a oportunidade de exercer uma liderança regional que ainda não havia conseguido neste terceiro mandato.
Os dois primeiros mandatos de Lula foram marcados por uma liderança do Brasil sob a lógica de que nenhum país é ator global se não representar a sua região. Foi um tempo em que governos de esquerda administravam o “boom das commodities”.
Essa realidade hoje é difusa. A região está dividida em termos ideológicos e descoordenada em termos de integração.
Lula não tem conseguido exercer essa liderança de representatividade da região nos foros internacionais. O Brasil não está nem em sintonia com a Argentina, com quem forma o eixo da integração regional.
Mas eis que Donald Trump abre uma janela
“Sem dúvida alguma, este episódio favorece Lula, inclusive na projeção da sua reeleição. Fortalece o presidente Lula como líder nacional, regional e mundial, mas também o Brasil como líder regional e, inclusive mundial, como potência média. Permite ao Brasil uma oportunidade de coordenar uma região descoordenada e de exercer uma liderança de valores, contrários aos de Trump”, considera Gorritti.
“A questão é saber se Lula vai conseguir capitalizar essa oportunidade, se Trump vai conseguir demonstrar o seu poder ou se Lula terá uma resposta exemplar”, acrescenta.
Da queda de braço com Trump, depende a liderança de Lula nos níveis nacional e internacional.
Coordenação internacional
Se internamente, as pesquisas de opinião já demonstram que o “tarifaço” elevou a popularidade do presidente Lula, na arena internacional, esse processo começa agora.
Na próxima segunda-feira (21), quatro presidentes de esquerda da reunião mais o primeiro-ministro espanhol se reúnem em Santiago, no Chile, tendo essa preocupação com as tarifas como um dos pontos principais da pauta de discussões.
O anfitrião, o chileno Gabriel Boric, o colombiano Gustavo Petro, o uruguaio Yamandú Orsi, o espanhol Pedro Sánchez e, claro, o presidente Lula vão se reunir para costurar uma posição comum sobre multilateralismo, sobre democracia, sobre cooperação global baseada na justiça social e sobre a luta contra a desinformação nas tecnologias emergentes. Todos assuntos contrários à visão de líderes como Donald Trump.
A denominada “Reunião de Alto Nível Democracia Sempre” vai também debater a nova política externa norte-americana a partir do uso geopolítico das tarifas adicionais.
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