Trauma do 7 de outubro 'alimenta negação' e 'apaga empatia' israelense diante da fome em Gaza, dizem ativista e historiador
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As imagens da crise humanitária enfrentada pelos palestinos na Faixa de Gaza têm pouco impacto em Israel. Os israelenses permanecem imersos na guerra desencadeada pelos ataques do Hamas, que deram início a este novo ciclo de violência.
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Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel
Diariamente, as edições dos telejornais começam com a contagem do número de dias desde o 7 de outubro de 2023 e o o número de reféns que ainda estão sequestrados na Faixa de Gaza. A cobertura jornalística em Israel é profundamente marcada pelas histórias dos reféns, de seus familiares e também pelos testemunhos daqueles que foram libertados. Um outro ponto importante são os soldados mortos. A cada dia, a TV apresenta seus nomes, de onde eram, e como morreram.
As imagens de Gaza ocupam menos espaço. Normalmente, são exibidas para apresentar a maneira como a imprensa internacional cobre a guerra. A sociedade de forma mais ampla debate a guerra, os reféns, as falhas do governo, a destruição nas comunidades ao sul do território – aquelas mais atingidas em 7 de outubro – e a divisão desigual sobre quem serve no exército com foco na lei que pretende manter a isenção aos judeus ultraortodoxos, os chamados "haredim". Mas não debate as consequências humanas na Faixa de Gaza, embora grupos pacifistas israelenses façam isso.
Imprensa reflete sociedade marcada pelo choque e pela desumanização
Para João Miragaya, mestre em história pela Universidade de Tel Aviv e cofundador do podcast "Do Lado Esquerdo do Muro", o "7 de outubro causou um trauma tão grande na população que as pessoas perderam a empatia". Miragaya acrescenta que "a imprensa local é parte da sociedade".
"Eu divido a população israelense em três grandes grupos: aqueles que são negacionistas/vingativos, aquelas pessoas que estão com sede de vingança do 7 de outubro até agora; há outro grupo que põe em dúvida, que questiona a informação e a credita ao Hamas; e um terceiro grupo que diz que 'é uma pena o que está acontecendo, mas é uma guerra. E na guerra isso acontece'. São pessoas, portanto, que têm uma empatia mínima, mas não o suficiente para se revoltar com isso", diz à RFI.
Para o historiador, "sem os meios de comunicação, sem uma análise crítica e com os israelenses 'remoendo' o 7 de outubro constantemente, a população não tem nenhuma empatia com os palestinos".
Negar a fome é preservar a autoimagem ética dos israelenses
Para Mia Baran, gerente de programas da organização conjunta de israelenses e palestinos Combatentes pela Paz, a resposta da sociedade israelense tem elementos de negação. Na visão dela, os israelenses consideram que "acreditar na crise de fome na Faixa de Gaza seria como acreditar nos relatos do Hamas".
"Eu acho que para os israelense é muito difícil olhar essas imagens e não pensar que temos relação com elas. Como qualquer povo no mundo, as pessoas querem se ver como pessoas boas, éticas. E é muito difícil manter esse posicionamento diante dessas imagens, tendo em mente que somos nós que causamos isso", diz.
"Os israelenses também se baseiam em afirmações do tipo 'se o Hamas parar de roubar a comida, então haverá ajuda humanitária para a população'. De um lado o Hamas realmente rouba os carregamentos, mas a verdade é que chega pouca comida", complementa.
Delegações no Catar aguardam resposta do Hamas
Segundo o portal Ynet, de Israel, fontes envolvidas nas negociações acusam o Hamas de atrasar o processo para tentar maximizar os termos do acordo, o que estaria impedindo os avanços.
Diante desta demora, Israel questiona a possibilidade de alcançar um acordo ainda durante esta semana, como parecia possível há apenas alguns dias.
A rede de TV saudita Al-Arabiya afirma que Israel teria concordado com a maioria das exigências do Hamas. Mas o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ainda estaria pressionando o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para flexibilizar questões relativas à retirada das tropas do país da Faixa de Gaza.
Um dos sinais de que não há progressos é o fato de o enviado especial dos EUA para o Oriente Médio, Steve Witkoff, ainda não ter se deslocado para Doha, no Catar, local onde ocorrem as negociações.
Outro sinal importante e que tampouco aconteceu é o deslocamento de Ron Dermer ao Catar, ministro israelense de Assuntos Estratégicos e um dos principais aliados políticos do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
O impasse atual tem relação com a ordem de prioridades das negociações. O Hamas quer antes de tudo discutir a retirada de Israel da Faixa de Gaza. O grupo extremista islâmico estaria se recusando a debater outras questões, como a quantidade de prisioneiros palestinos a serem libertados no acordo. Já Israel e os Estados Unidos querem discutir todos os assuntos de forma mais ampla, sem condicionar os avanços ao debate detalhado de cada um dos temas.
A ofensiva israelense na Faixa de Gaza
O Exército de Israel deu início à ofensiva terrestre em Deir al-Balah, na região central do território. No domingo, Israel anunciou que pela primeira vez desde o início da guerra iria operar na cidade. A população palestina foi orientada a se deslocar para a zona humanitária de Al-Mawasi, na costa sul do território.
Tanques e veículos militares entraram na cidade acompanhados por um bombardeio da força aérea.
A razão pela qual Israel até agora não havia atuado em Deir al-Balah está relacionada às suspeitas de que parte dos reféns israelenses mantidos há mais de 650 dias em cativeiro possa estar no local. Portanto, havia o temor de que uma ofensiva militar na região poderia colocar em risco esses reféns.
Diante disso, o Fórum dos Familiares dos Reféns israelenses divulgou comunicado em que questiona se "alguém pode garantir que a ofensiva não vai custar as vidas de seus entes queridos".
A ONU também condenou a operação e disse que se trata de "um golpe mortal" nos esforços humanitários na Faixa de Gaza.
O chefe do Estado-Maior do Exército, Eyal Zamir, apresentou um novo plano militar. Zamir foi um dos principais opositores à proposta defendida por Netanyahu e pelo ministro da Defesa, Israel Katz, que considerava a criação de uma "cidade humanitária" na Faixa de Gaza. Segundo este plano, 600 mil palestinos seriam levados para este local no sul do território, com uma área equivalente a cerca de 10.500 campos de futebol. Entretanto, Zamir considerou o plano repleto de falhas e comparou-o a um "queijo suíço". Também disse que a proposta não tinha "aplicação prática".
Agora, a alternativa apresentada pelo chefe do exército de Israel é tomar ainda mais território. O objetivo seria deixar claro ao Hamas que sem avanços nas negociações, o grupo vai perder a cada dia mais espaço na Faixa de Gaza.
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