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Trump recebe Milei na Casa Branca para negociar socorro financeiro em troca de recursos estratégicos

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O presidente Donald Trump recebe nesta terça-feira (14) o aliado argentino Javier Milei para negociar uma aliança geopolítica, na qual os Estados Unidos garantem ajuda financeira e investimentos na Argentina em troca de acesso privilegiado às terras raras e aos minerais críticos do país sul-americano.  Essa prioridade dos Estados Unidos visa ainda fazer da Argentina um exemplo para os demais países da região em detrimento da presença da China.

Captura de tela mostra pronunciamento de Javier Milei pela televisão argentina, em 15 de setembro de 2025.
Captura de tela mostra pronunciamento de Javier Milei pela televisão argentina, em 15 de setembro de 2025. © Handout / AFP
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Donald Trump recebe Javier Milei na Casa Branca num encontro do qual são esperados anúncios comerciais e financeiros com definições que permitam saber até onde chega o prometido resgate à Argentina e a quais condições estará submetido.

Tanto Trump quanto o secretário do Tesouro, Scott Bessent, têm repetido que estão dispostos a ajudar a Argentina “no que for necessário”, mas até agora o que se sabe é que os Estados Unidos vão abrir uma linha de “swap” (troca de moedas entre os bancos centrais) por US$ 20 bilhões, que poderão intervir diretamente no mercado de câmbio, vendendo dólares para controlar o valor do peso argentino – como fizeram na semana passada –, e que podem comprar títulos da dívida argentina. Não há detalhes sobre os alcances dessas operações.

Os dois países também devem anunciar um acordo comercial no qual Donald Trump reduziria a tarifa de importação de produtos argentinos, especialmente o aço e o alumínio, atualmente sobretaxados em 50%. Os demais produtos têm tarifa de 10%.

Outra possibilidade é de um acordo para investimentos de empresas norte-americanas na Argentina, especialmente em setores estratégicos.

“Avalanche de dólares”

Milei partiu de Buenos Aires na segunda-feira (13), antecipando que “haverá uma avalanche de dólares” para a Argentina. “Vão sair dólares até pelas orelhas”, garantiu Milei.

A reunião entre Trump e Milei no Salão Oval acontece a 12 dias das eleições legislativas na Argentina, cujo resultado é crucial para a governabilidade do líder argentino nos últimos dois anos de seu mandato.

Milei precisa aprovar reformas estruturantes que dependem de maioria parlamentar. Para garantir a validade de decretos e vetos presidenciais, além de evitar qualquer tentativa de impeachment, Milei precisa do apoio de pelo menos um terço dos parlamentares do Congresso.

Depois da derrota eleitoral na província de Buenos Aires em 7 de setembro, o governo enfrentou uma corrida cambial que ameaçou implodir o plano econômico de Milei.

No dia 22 de setembro, apareceu Trump, abrindo a carteira do país que imprime os dólares dos quais a Argentina tanto necessita. O socorro financeiro interrompeu a instabilidade que prometia acabar com as chances de Milei nas urnas.

Bandeira da soberania

Enquanto Milei exibirá a ajuda do amigo Trump como uma conquista, a oposição levantará a bandeira da “submissão” aos Estados Unidos, cedendo soberania e independência.

“Não sabemos ainda quais serão todos os condicionamentos políticos, geopolíticos e estratégicos implícitos nesses acordos, mas sabemos que o governo adota uma estratégia de submissão da Argentina aos Estados Unidos. É provável que os argentinos reajam a essa estratégia porque abdica da soberania e da independência do país”, indica à RFI Jorge Taiana, principal candidato da oposição peronista contra Milei, na província de Buenos Aires, onde votam 40% dos eleitores do país.

O candidato Jorge Taiana vai usar a mesma tática do governo brasileiro, levantando a bandeira da soberania contra Xavier Milei nas eleições legislativas.
O candidato Jorge Taiana vai usar a mesma tática do governo brasileiro, levantando a bandeira da soberania contra Xavier Milei nas eleições legislativas. © Márcio Resende/RFI

Taiana, ex-chanceler de Néstor Kirchner, ex-ministro da Defesa de Alberto Fernández e ex-senador, explica que os Estados Unidos não complementam a economia Argentina, sendo competitivos e concorrentes na produção agrícola exportada ao mundo, especialmente à China.

“A política de subordinação aos Estados Unidos sempre trouxe poucos benefícios à Argentina porque restringiu a nossa liberdade de ação. O governo dos Estados Unidos concede essa visita oficial a Milei para impactar na campanha eleitoral, pois querem que Milei ganhe. Mas quando Trump castigou Lula no Brasil, Lula cresceu e se fortaleceu. Acredito que aqui também teremos essa resposta dos argentinos”, aposta.

Quando Trump elevou as tarifas de importação de produtos provenientes do Brasil, como forma de castigar o país por julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro, o governo brasileiro levantou com sucesso a bandeira da soberania. Agora, a oposição argentina pretende utilizar a mesma estratégia.

Incidência na campanha eleitoral

Trump aplica na Argentina a mesma tática que tentou com o Brasil para ajudar o aliado Bolsonaro: usar ferramentas financeiras para fins políticos. Neste caso, incidindo abertamente numa disputa eleitoral em outro país, algo que não se via na Argentina desde 1946, quando Juan Domingo Perón ganhou as eleições criticando a intervenção do embaixador dos Estados Unidos.

“Nós medimos a opinião dos argentinos sobre a ajuda de Trump. O resultado é uma metade a favor; outra contra. A opinião pública está muito dividida”, aponta à RFI o consultor Sergio Berensztein.

O socorro financeiro de Trump ajuda a estabilizar a economia na reta final da campanha, quando tudo parecia encaminhado para uma derrota governista nas urnas. Também ajuda a desviar o foco da campanha até agora baseado em escândalos de corrupção no governo e entre aliados.

Mas estabilizar a moeda argentina não garante necessariamente uma vitória. Os argentinos vão votar num momento em que o ajuste fiscal do presidente Milei começa a doer no bolso – uma dor agravada pela recessão econômica.

“Os anúncios e a intervenção reduzem os riscos de estresse e de volatilidade, mas não melhoram as probabilidades de uma vitória eleitoral de Milei. O apoio dos Estados Unidos deve garantir que uma crise antes das eleições seja evitada”, diz um trecho do relatório do banco de investimentos brasileiro BTG Pactual.

Por trás da ajuda

Trump promete maciços investimentos de empresas norte-americanas em setores estratégicos da Argentina, como energia, minerais críticos e tecnologias do conhecimento.

Na sexta-feira passada, por exemplo, a companhia OpenAI, de Inteligência Artificial, anunciou investimentos de US$ 25 bilhões na Patagônia para a instalação de centros de dados, mas sem revelar datas e projeções sobre a geração de empregos. O anúncio buscou apenas impactar na corrida eleitoral e nos mercados.

Os centros de dados de OpenAI têm sido motivo de controvérsia devido ao extremo consumo de energia e de água que demandam. A Patagônia –despovoada, gélida e de ventos incessantes – oferece refrigeração e energia em abundância.

“Mesmo que seja um anúncio antecipado para impactar na campanha, esse anúncio é muito significativo. Há muito tempo, a Argentina não recebia investimentos dessa magnitude. Representa um ponto de inflexão no vínculo com os Estados Unidos”, enfatiza Sergio Berensztein, analista de política internacional, uma referência no país.

O secretário do Tesouro norte-americano deu pistas sobre a estratégia geopolítica.

“A Argentina é rica em terras raras e urânio. (O governo) está comprometido com empresas privadas norte-americanas. Continuo escutando empresários que, graças à liderança do presidente Milei, estão desejosos de estreitar laços entre as economias dos Estados Unidos e da Argentina. A administração Trump mantém-se firme no seu apoio aos aliados dos Estados Unidos e, nesse sentido, abordamos os incentivos ao investimento na Argentina e as ferramentas para impulsionar o investimento nos nossos sócios”, descreveu Bessent.

Retirar a China

A Argentina também se tornou a primeira peça de um dominó regional que pretende, país por país, à medida que governos de direita se alinharem aos Estados Unidos, retirar a China do mapa.

“Milei está comprometido em tirar a China da Argentina”, disse Bessent.

Entretanto, a Argentina não vai deixar de vender seus produtos à China, seu segundo maior cliente depois do Brasil. Argentina e Estados Unidos são concorrentes no mercado chinês com as mesmas exportações de grãos e cereais. Por outro lado, o governo Trump quer ter prioridade na Argentina em licitações e nos investimentos em recursos estratégicos como lítio, cobre, urânio, terras raras e energia.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001, à medida que os Estados Unidos concentravam os seus esforços em outras regiões do mundo, a China aproximou-se da América Latina em sintonia com a chegada de governos de esquerda.

Para Berensztein, a Argentina se beneficia de uma modificação na política de intervenção dos Estados Unidos.

“Os Estados Unidos fizeram uma leitura crítica do avanço da China. Para a administração Trump, essa atitude permissiva é inadmissível. A Argentina é agora a primeira oportunidade de Trump jogar forte na região em matéria não militar”, observa.

Mas o maior condicionamento para os investimentos e para a continuidade da ajuda financeira dos Estados Unidos é que Milei tenha um bom desempenho nas urnas e que gere governabilidade, sem a qual não há estabilidade nem reformas que garantam os negócios.

Na semana passada, enquanto o ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, acertava o pacote de ajuda com o secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, em Buenos Aires, o assessor informal de Trump, Barry Bennett, reunia-se com governadores das províncias argentinas que têm incidência sobre senadores no Parlamento e que podem garantir a governabilidade de Milei. Como um cabo eleitoral, Bennett prometia investimentos aos que apoiarem Milei.

“Na Argentina, os investimentos em áreas estratégicas, sobretudo em materiais críticos, dependem dos governadores. Por mais que o governo nacional assine um documento, sem o aval dos governadores, esses investimentos não acontecem. O resultado das eleições vai condicionar bastante a margem de manobra do presidente”, conclui Sergio Berensztein.

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